Título: Conta de luz: encargos não solucionam distorções :
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Fonte: Valor Econômico, 18/09/2009, Opinião, p. A12

A imprensa noticiou recentemente os resultados de pesquisa do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrando as diferenças entre as tarifas de energia elétrica do país. A notícia em si não é nova. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, vem destacando o assunto desde que tomou posse, no início deste ano. De qualquer forma, o professor Nivalde de Castro, coordenador do citado estudo, dá nomes e sobrenomes, mostrando, por exemplo, que os consumidores da Cemar, no Maranhão, pagam quase 80% a mais pela energia elétrica do que as famílias que vivem em Brasília.

Diante desses dados, há quem sugira a inversão dessa lógica, de modo a fazer com que todos os consumidores residenciais tenham o mesmo custo pelos KWh utilizados. Já existem propostas em discussão para a obtenção dos recursos para essa equalização tarifária: a principal delas prevê o uso de parte dos encargos pagos hoje pelos consumidores - Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) - para subsidiar as tarifas das concessionárias cujos custos são mais elevados.

Numa análise precipitada, a proposta é relativamente prática, porque não implicaria no aumento dos valores cobrados, apenas na manutenção dos montantes atuais. Isso é possível porque as finalidades para as quais esses encargos foram criados estão diminuindo. Mas tal proposta é totalmente condenável porque, além de dar sobrevida a encargos que hoje pressionam os custos da energia disponibilizada aos consumidores brasileiros, não é uma solução justa.

Junto com os impostos, os encargos respondem por mais de 50% do custo final da energia elétrica. Apenas a CCC e a CDE representam mais de R$ 5 bilhões por ano, montante que contribui para que a energia seja fornecida a todos os consumidores brasileiros - sejam eles do Maranhão, Brasília ou de São Paulo - a um dos custos mais elevados do mundo. A redução desses montantes é fundamental para fazer com que os consumidores brasileiros disponham de energia em condições mais competitivas.

Também é preciso lembrar que boa parte das diferenças de custos da energia se deve a fatores geográficos e sociais das áreas de concessão de cada distribuidora. Nesse sentido, têm peso questões como a idade dos ativos, a distribuição das populações, seu consumo e renda, e a forma de conexão das redes de distribuição à rede básica. A eventual produção local de energia e a fonte utilizada também colaboram decisivamente para essas diferenças.

Um bom exemplo nesse sentido pode ser observado na densidade dos consumidores das concessionárias destacadas pelo Gesel: a CEB tem aproximadamente 134 unidades consumidoras por quilômetro quadrado, enquanto a Cemar tem 4,6 unidades. Quanto menor esse índice, maiores os custos relacionados ao atendimento das solicitações dos consumidores. Outro índice relacionado aos custos de operação e manutenção é obtido através do número de unidades consumidoras por quilômetro de rede. A CEB possui aproximadamente 47,6 consumidores por quilômetro de rede, enquanto que a Cemar possui apenas 19,5.

Os problemas incluem ainda falhas na gestão das próprias empresas, falta de manutenção de suas instalações e perdas. Neste caso, dados da Aneel indicam que as perdas não técnicas são de 5,9% da energia vendida no caso da CEB e de 17,8% no caso da Cemar. A agência também informa que, no País todo, essas perdas somaram 19,5 GWh em 2008, o equivalente a R$ 7,1 bilhões. Na prática, isso é energia furtada cujo custo acaba sendo repassado para os demais consumidores.

Um país que tem a diversidade de ecossistemas, de concentração de populações, de renda e de consumo como o nosso não pode querer socializar na marra as contas de todos os consumidores. Cabe aos governadores estaduais, que carimbam alíquotas de ICMS de 20% a 30% nas contas de energia, cuidar de compensar essas diferenças via isenções e incentivos locais.

Além disso, no caso das perdas não técnicas, conforme verificado em relatos internacionais, as soluções devem ser buscadas por meio de políticas públicas em conjunto com a ação das concessionárias. Na Índia, por exemplo, três anos depois de o roubo de energia elétrica passar a ser considerado crime sujeito a multas e detenção, as perdas caíram de 38% para 26%. Posição semelhante foi defendida pela Abrace por ocasião da Audiência Pública da Aneel 52/2007. A entidade também defende investimentos em ações como medição eletrônica, aumento da fiscalização aos fraudadores e melhorias nos sistemas de gerenciamento das empresas. Além disso, a redução do custo da energia pode contribuir, já que funciona como um estímulo para que os fraudadores deixem de furtar. Isso porque parte das perdas não técnicas se deve exatamente ao custo elevado da energia: as pessoas furtam porque têm muita dificuldade de pagar a conta.

Optar pelo caminho mais fácil e obrigar os consumidores a pagar pela equidade tarifária via encargos torna ainda mais difícil fazer com que todos paguem menos pela energia. O fato é que não podemos deixar essa ideia prosperar, sob pena de derraparmos na nossa rota de desenvolvimento com mais um ônus sobre a energia e sobre a competitividade da indústria nacional.

Erico Sommer é presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE).