Título: Cautela afeta banco privado, diz BC
Autor: Romero ,Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2009, Finanças, p. C1

Os bancos privados perderam mercado nos últimos meses porque, ao contrário dos bancos estatais, não acreditaram que a economia brasileira ia se recuperar rapidamente da crise financeira mundial. O mesmo erro pode estar sendo cometido pelos empresários que não estão acreditando na recuperação da demanda doméstica. Assim como os banqueiros, eles também perderão mercado para os concorrentes ou para produtos importados.

A avaliação é do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, que, em entrevista ao Valor, falou sobre as perspectivas da economia brasileira no que ele já chama de "pós-crise". "Os bancos públicos baixaram as taxas de juros e aumentaram a oferta de crédito. Com isso, atraíram os melhores clientes e, portanto, ganharam carteira em volume e qualidade. Foi um movimento estratégico correto. Além disso, cumpriram o papel contracíclico de governo", comentou Meirelles.

Os bancos públicos fizeram esse movimento baseados numa expectativa de recuperação do crédito e da economia mais otimista que a dos concorrentes privados, que ainda seguem apostando em crescimento negativo neste ano. "O BC, em nenhum momento, previu crescimento negativo para 2009. Projetou, no último relatório de inflação, alta de 0,8%, bastante acima do que previa o mercado", explicou Meirelles.

O presidente do BC reconhece que os bancos estatais foram beneficiados, durante a crise, pelo fato de serem garantidos, em última instância, pelo Tesouro Nacional. Temerosos com a saúde dos bancos privados por causa das notícias que vinham do exterior, muitos depositantes transferiram depósitos para bancos públicos. De qualquer forma, disse Meirelles, os bancos privados foram "um pouco mais conservadores".

"É compreensível que tenham sido mais cautelosos, mas, como a economia se recuperou rapidamente, o efeito líquido disso é que os bancos privados vão ter que correr atrás do prejuízo para recuperar o mercado que perderam", observou o presidente do BC. "O crédito está crescendo. Estamos num cenário de demanda forte."

Na avaliação de Meirelles, o Brasil saiu da crise e já está em processo de aceleração do crescimento - segundo expectativas de mercado colhidas pelo BC, deve estar crescendo 4% na margem no fim do ano e 4,5% em 2010. Ao contrário do ciclo anterior, interrompido pela crise mundial em setembro de 2008, quando houve a quebra do banco americano Lehman Brothers, o novo ciclo está sendo puxado pela demanda interna - o anterior foi liderado principalmente pelos investimentos das empresas. Durante a crise, as incertezas derrubaram as inversões. A volta do investimento, sustentou o presidente do BC, é uma questão de tempo, mas, na sua opinião, o empresário não deve esperar mais.

"O que eu disse aos empresários é que o tempo é importante. Não é algo trivial. O empresário que continuar buscando evidências de crescimento, ou porque ainda tem alguma capacidade não utilizada, e esperar muito para fazer o investimento, corre o risco de perder mercado", advertiu. "O índice de confiança (dos empresários) é alto, mas ainda não há uma reação correspondente no planejamento de investimento. Eles têm que olhar para a frente e ver que, por essa curva de crescimento da demanda, vão precisar de capacidade adiante, até porque alguns investimentos demoram a maturar."

Meirelles segue apostando num cenário de saída da recessão mundial em V. A possibilidade de uma saída em W, mencionada por analistas internacionais, existe, mas, segundo ele, não faz parte do cenário base dos principais bancos centrais do planeta. Uma nova recessão pode acontecer se os países, principalmente os Estados Unidos, suprimirem os estímulos fiscais antes da retomada do consumo privado, dos investimentos e das exportações. "Caso isso ocorra, podemos ter uma recaída e, em consequência, problemas no setor financeiro", disse Meirelles.

O presidente do Banco Central acha, no entanto, que uma nova recessão mundial não teria, sobre o Brasil, os mesmos efeitos da crise de 2008. O país teria um novo impacto negativo nas exportações e, mais uma vez, restrições nas linhas de crédito internacional, mas estaria mais preparado para enfrentar um possível aperto.

"O efeito disso no Brasil seria muito menor. Primeiro, porque o impacto do sistema financeiro americano, mesmo que existente, seria menor do que o que aconteceu na crise de 2007 e 2008, e certamente nada equivalente ao pós Lehman Brothers. Já existe o compromisso dos governos em preservar as instituições importantes do ponto de vista sistêmico. Nos EUA, isso está explícito por meio dos testes de estresse feitos pelo Federal Reserve (o BC americano) e pelos compromissos de capitalização aprovados pelo Congresso americano", explicou. "O Brasil tem hoje estruturas de reação montadas - as linhas de empréstimo de reservas, mais reservas, depósito compulsório e o sistema financeiro melhor preparado para reagir. O mercado já sabe a capacidade de reação do governo, então, o fenômeno expectativa que aconteceu na primeira crise, dessa vez, seria muito minorado."

Na crise de 2008, o pior momento vivido pelo Brasil foi a descoberta de que grandes empresas exportadoras haviam montado, antes da turbulência, operações com derivativos cambiais. "O grande volume de câmbio futuro vendido por exportadores, em 2007 e 2008, foi um dos fatores que contribuíram para aquela apreciação do real da qual os exportadores tanto reclamaram", revelou Meirelles, referindo-se ao fato de que dois meses antes da crise o dólar chegou a cair para R$ 1,50.

Com o estouro da crise, a aposta se mostrou fortemente especulativa. O real se desvalorizou e algumas empresas perderam bilhões de reais.

Meirelles acredita que os operadores de "carry trade" - movimento que consiste na tomada de empréstimo num país de juros mais baixos para aplicação num de juros altos - aprenderam com a crise. "O carry trade hoje é muito mais restrito. Aquela festa dos operadores que acreditaram que tomar dinheiro no Japão a taxas muito baixas e aplicaram no mundo todo, acreditando que o iene continuaria sempre acima de 120 por dólar, e na crise ele caiu abaixo de 100, acabou. Eles perderam muito", assinalou.