Título: Desemprego sobe pouco, mas vagas têm baixo salário
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2009, Brasil, p. A3
O mercado de trabalho brasileiro resistiu bem ao impacto da crise. A taxa média de desemprego em 2009 deve ficar entre 8,2% e 8,5%, pouco acima dos 7,9% registrados no ano passado, o nível mais baixo da série histórica iniciada em 2002. A piora também foi modesta se comparada à de outros países, tanto emergentes quanto desenvolvidos. De uma série de 23 países, apenas a Polônia teve uma evolução mais favorável da desocupação no primeiro semestre do que o Brasil, segundo números da Economist Intelligence Unit (EIU). De janeiro a junho, a taxa média de desemprego brasileira ficou em 8,58%, apenas 0,33 ponto percentual acima dos 8,25% do mesmo período de 2008. No Chile, por exemplo, a taxa subiu 7,68% na primeira metade de 2008 para 9,4% na primeira metade deste ano.
Graças à força do mercado interno, o setor de serviços e a construção civil geraram um volume razoável de empregos ao longo do ano, um desempenho que mais do que compensou a perda de postos de trabalho na indústria, como destaca o economista Fábio Romão, da LCA Consultores. Em contrapartida, a geração de emprego se concentrou nas vagas com remuneração mais baixa - de janeiro a julho, o saldo entre contratações e demissões só ficou positivo para quem recebe até 1,5 salário mínimo. "A questão é que o setor de serviços costuma ter empregos com remuneração menor do que na indústria", observa o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.
De janeiro a julho, o segmento de serviços gerou 296,1 mil postos de trabalho formais, o equivalente a dois terços do total de 437,9 mil empregos criados no país, de acordo com números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O setor responde por 60% do PIB, contando com algo como 70% do estoque de ocupados no país, lembra Romão.
Segundo ele, os serviços são pouco dependentes da demanda externa, que despencou no último ano por causa da recessão global, especialmente nos países desenvolvidos. Para ajudar, a crise atual levou a uma forte desaceleração da inflação, o que contribuiu para preservar o poder de compra dos trabalhadores. "O INPC, que estava em 7,3% nos 12 meses acumulados até outubro de 2008, passou a 4,4% em agosto deste ano, na mesma base de comparação."
Nesse cenário, o rendimento médio continuou a crescer acima da inflação - em julho, subiu 3,4% em termos reais, um ritmo bastante saudável, que mantém em níveis elevados a demanda por serviços. Entre os subsetores do segmento, os que mais geraram postos de trabalho de janeiro a julho foram os de serviços de alojamento e alimentação (como hotéis e restaurantes), com 80,5 mil vagas, e o de comércio, administração de imóveis, valores mobiliários, serviços técnicos e atividades auxiliares, com 61,7 mil.
A construção civil também teve um desempenho razoável na geração de empregos de janeiro a julho, diz Romão. Para ele, a continuidade das obras de imóveis lançados nos anos anteriores e o fato de os investimentos em infraestrutura serem menos afetados pela crise (por terem um horizonte de planejamento mais longo) ajudam a explicar a criação das 111,6 mil vagas no setor.
Lúcio diz que o desempenho do mercado de trabalho em 2009 tem sido de fato melhor do que se vislumbrava no começo do ano, justamente pelo bom desempenho da demanda interna. Além da renda ainda em alta, ele ressalta a importância da ação do Banco Central (BC) para estimular a recuperação do crédito, do aumento de empréstimos e financiamentos por bancos públicos e das desonerações tributárias, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos.
O pior desempenho ficou com a indústria, muito mais afetada que o segmento de serviços pelo tombo da demanda externa, lembra Romão. De janeiro a julho, o setor ainda mostra uma perda de 122,5 mil vagas. O saldo entre contratações e demissões só ficou positivo a partir de abril. Para Lúcio, a indústria fez um ajuste muito forte, especialmente no fim de 2008 e no começo deste ano, que "foi um pouco além do necessário". Para ele, deve haver uma reação do emprego no setor no segundo semestre, com a retomada mais forte da atividade econômica.
Um dos piores legados da crise para o mercado de trabalho é a perda de empregos que pagam salários melhores. No ano, o saldo entre contratações e demissões ficou positivo 437,9 mil postos formais, devido à geração de postos que pagam no máximo R$ 697,50, o equivalente a 1,5 salário mínimo. Nas faixas em que se paga mais que isso, houve perda de 426,4 mil vagas. Além de a indústria ter empregos com melhor remuneração que o de serviços, há o fato de que, na crise, muitas empresas dispensam funcionários que ganham mais para substituí-los por outros com salários menores.
A evolução da taxa de desemprego, por sua vez, tem surpreendido positivamente. Romão acredita que a desocupação média no Brasil ficará em 8,2% neste ano. O economista Bernardo Wjuniski, da Tendências Consultoria Integrada, é um pouco mais cauteloso, acreditando numa taxa média de 8,5%. Para ele, mais pessoas deverão passar a procurar emprego nos próximos meses, num cenário de aquecimento da economia, o que pode levar a taxas um pouco superiores de desocupação daqui para frente - em julho, o desemprego ficou em 8%. "Ainda assim, o desempenho do mercado de trabalho foi de fato melhor do que se esperava no começo do ano." O mercado interno robusto foi fundamental nesse processo, e explica por que o desemprego brasileiro cresceu menos do que em grande parte dos outros países.