Título: Congresso delega ao Judiciário definição de regras eleitorais
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2009, Política, p. A5

Em meio a polêmicas sobre o projeto de lei que altera a Lei Eleitoral, os senadores aprovaram ontem a eleição direta para substituir governantes cassados por crimes eleitorais e a livre manifestação do pensamento na internet. As duas propostas abrem brechas para que o Judiciário continue influente na definição de regras eleitorais. Além de não restringir a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, os parlamentares garantiram no Senado a manutenção de doações ocultas e de dispositivos que dificultam a fiscalização do financiamento de campanhas.

O texto-base da reforma eleitoral foi votado na semana passada e ontem os senadores decidiram os pontos polêmicos do projeto de lei. A primeira divergência que marcou a votação de ontem foi a definição de eleição direta de novo governador em caso de cassação, independentemente do período em que o governador for cassado.

Em acordo comandado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), os senadores descartaram a emenda do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que propunha novas eleições no caso de cassação na primeira metade do governo e eleição indireta (na qual a Câmara ou a Assembleia escolhem o governante) no caso de cassação nos dois últimos anos do governo. Os líderes governistas e da oposição apoiaram a medida, mas houve protestos. A medida gerou divergências jurídicas e é considerada inconstitucional.

Os que protestaram contra a realização de novas eleições nos últimos dois anos do governo afirmam que a medida só foi aprovada porque será derrubada pelos deputados ou pela Justiça. Na análise desses parlamentares, seria uma forma de os senadores que desejam manter a lei atual mostrarem à opinião pública que tentam limitar a atuação do TSE nos casos de cassação de governadores.

"É uma burrice", reclamou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). " É demagogia. Vai dar poder para o TSE decidir conforme quiser. Onde já se viu fazer eleição no último ano de mandato, três meses antes de um governo acabar? O Judiciário vai ter que se pronunciar nesses casos", disse Torres, procurador-geral do Ministério Público. Para o senador Tião Viana (PT-AC), os parlamentares estão "transferindo a prerrogativa do critério da eleição ao TSE".

A proposta do projeto de lei poderá ser considerada inconstitucional, porque altera o artigo 81 da Constituição. A Carta Magna só pode ser alterada por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC). O texto atual da Constituição só define as regras para o caso de cassação do presidente e do vice. Nessa situação, vale o que havia sido proposto por Tasso: eleição direta nos dois primeiros anos e indireta no restante do mandato. Para o juiz eleitoral Márlon Jacinto Reis, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, a decisão do Senado é inconstitucional. "Vai depender da interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o caso, mas os parlamentares não podem fazer essa alteração sobre regras eleitorais no caso de cassação da segunda metade do mandato", disse o juiz. A proposta deve ser derrubada na Câmara, segundo o relator do projeto, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA).

O líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), defensor da eleição direta, disse que se esse item for vetado os senadores apresentarão uma PEC. "Antes não tinha regras para definir a eleição dos prefeitos e governadores cassados. Agora nós fizemos", disse.

Os senadores entraram em acordo sobre outro tema polêmico: as regras para internet. Ficou definida a "livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato", em sites noticiosos. Os debates de candidatos deverão seguir a regra de televisão e rádio: deverão ser convidados dois terços dos candidatos, cujos partidos tenham pelo menos dez representantes no Congresso. Para os críticos da medida, como Flávio Dino, haverá uma "enxurrada de decisões do TSE" sobre direitos de resposta. "Ter ampla liberdade não é igual a não ter regra", disse. "Se o Congresso não determinar as regras para a internet, a Justiça Eleitoral o fará". A Câmara poderá vetar esse ponto.

Uma das últimas emendas votadas ontem legitimou a doação oculta, mecanismo no qual os financiadores de campanha repassam recursos aos partidos, para distribuírem aos candidatos, sem que sejam identificados. O senador Eduardo Suplicy apresentou duas emendas, que foram rejeitadas, propondo a divulgação dos nomes dos financiadores durante a campanha e o fim da doação oculta. O texto segue para a Câmara e a previsão é de votação na próxima semana. Para valer para 2010, tem de ser sancionado até 03 de outubro.

Um dos artífices da aprovação faz-de-conta da eleição direta para substituição de governantes cassados em qualquer momento do exercício do mandato, Sarney, discursou ontem em sessão especial no Senado para comemorar o Dia Internacional da Democracia acusando a imprensa de "inimiga das instituições representativas". Em defesa do Parlamento, Sarney disse que, na comparação entre os três Poderes, o Legislativo é o que atua com maior transparência e, por isso, recebe críticas diariamente.

Há pouco mais de um mês, Sarney respondia a onze denúncias e representações por quebra de decoro parlamentar. As acusações foram arquivadas no Conselho de Ética, com apoio do PT, depois de um acordo político feito entre governo e oposição.

Ontem, o presidente do Senado justificou as inúmeras denúncias contra ele e sua gestão na Casa com o argumento de que o Legislativo é questionado por tomar decisões "às claras". Uma das acusações contra Sarney era justamente a falta de transparência na administração, com a edição de atos secretos, mas ontem o presidente do Senado não foi constrangido por seus pares com essa informação.

Sarney defendeu o Parlamento como instância na qual devem "se harmonizar todos os conflitos", sem "luta frontal". Não citou em nenhum momento a crise enfrentada no Senado desde que assumiu o terceiro mandato como presidente. No discurso, com cerca de meia hora de duração, escolheu a imprensa como principal alvo de críticas e questionou o papel dos meios de comunicação. "A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que, hoje, a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós; e dizemos nós, representantes do povo: somos nós", discursou.