Título: Projeto de lei ambiental sob ataque nos EUA
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2009, Internacional, p. A9

O senador democrata John Kerry afirmou ontem que submeterá ao Congresso dos EUA, dentro de duas semanas, um projeto de lei para combater o aquecimento global, no que promete ser uma disputa tão amarga entre democratas liberais e moderados quanto a divergência entre eles a respeito da reforma do sistema americano de assistência médica.

Kerry, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e que prepara o projeto de lei com Barbara Boxer, democrata liberal da Califórnia que preside a importante comissão ambiental, pretende aprová-lo antes do encontro de cúpula sobre mudanças climáticas marcado para Copenhague, em dezembro, um prazo-chave para o governo do presidente Barack Obama.

As frentes de batalha entre democratas representantes dos Estados "chaminés" do Meio-Oeste, como Ohio e Indiana, e dos Estados mais "verdes" das costas leste e oeste, contudo, indicam que os reformistas terão uma ladeira bem íngreme pela frente.

Em agosto, dez senadores democratas, incluindo Evan Bayh, de Indiana, e Carl Levin, de Michigan, escreveram a Obama dizendo que terão "extrema dificuldade" em apoiar qualquer projeto de lei ambiental que não imponha punições aos países em desenvolvimento que não concordem em reduzir as suas emissões de gases.

Isso dificultaria a aceitação pela Casa Branca de que países como China e Índia compartem "responsabilidades comuns, mas diferenciadas" - código para dizer que Washington aceita que os dois países ainda não estão em posição de aceitar metas formais de redução de emissões.

A Índia já reclamou do projeto de limitação e negociação das emissões de poluentes, de 1,4 mil páginas, aprovado na Câmera dos Deputados em junho e que incluiu um gatilho para impor tarifas sobre países que não adotem medidas equivalentes. O projeto compromete os EUA a reduzirem suas emissões em 17% até 2020, em relação aos níveis de 2005.

Mas a carta dos senadores democratas de centro inclui uma linguagem bem mais áspera do que o projeto aprovado na Câmera. Defende condições iguais para "produtores". "Qualquer lei de mudança climática precisa evitar a exportação de empregos e emissões relacionadas de gases causadores do efeito estufa para países que deixem de tomar medidas comparáveis às tomadas pelos EUA para combater a ameaça do aquecimento global", afirmam os dez senadores.

Como cerca de 40% dos indianos carecem de acesso a redes de eletricidade, tal exigência seria o equivalente a matar qualquer esperança de um acordo climático na cúpula de Copenhague, além de ameaçar provocar uma guerra comercial, segundo analistas. A China e os EUA respondem, cada um, por cerca de 20% das emissões mundiais de gás carbônico. A Índia, por 4%.

Kerry - cujo projeto disputará espaço no Congresso com a reforma da sistema de saúde, que provavelmente absorverá a maior parte do tempo dos congressistas até dezembro - ainda enfrentará a oposição de outros quatro senadores democratas que defenderam a retirada das disposições sobre limitação e negociação de emissões, com o que apenas ficariam os incentivos para energias alternativas.

Um dos quatro senadores é Blanche Lincoln, que preside a importante Comissão de Agricultura. Isso significa que 14 dos 59 senadores democratas estão abertamente céticos em relação ao projeto de lei ambiental e poderão ameaçar se unir aos 40 republicanos que são quase unanimemente contrários. Na Câmara, todos menos um punhado de republicanos se opuseram ao projeto de lei, que descreveram como uma medida "exterminadora de postos de trabalho".

Ontem, o Banco Mundial informou num relatório que os países em desenvolvimento arcarão no mínimo com 75% dos prejuízos decorrentes da mudança climática.

O relatório, que enumera formas "inteligentes" segundo as quais o mundo em desenvolvimento pode reduzir suas emissões, apela para os "países avançados" assumirem a liderança.

"Os países do mundo precisam agir agora, agir juntos e agir de forma diferente na questão da mudança climática", afirmou Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial.

"Os países em desenvolvimento são afetados de forma desproporcional pela mudança climática - uma crise que não foi criada por eles e para a qual são os menos preparados. Por este motivo, um acordo justo em Copenhague é vitalmente importante."

Muitos analistas, porém, duvidam que o Senado aprove algo antes de dezembro. "Depois da reforma da saúde não sobrará muita luta para se travar", disse Howard Herzog, principal engenheiro de pesquisa da MIT Energy Initiative. Imprimir Compartilhar| Internacional: