Título: Baixa do juro ajuda mercado de capitais
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2009, Finanças, p. C

A queda da taxa básica de juros (Selic) para 8,75% ao ano vai provocar uma mudança estrutural no mercado de capitais brasileiro. "Os novos patamares da taxa básica vieram para ficar e vai haver novas alternativas de aplicações", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para ele "agora é a vez do mercado de capitais, das debêntures, dos novos nichos. O mercado de capitais está em fermentação e há, cada vez mais, alternativas".

A demanda por crédito na economia, dessa forma, deverá se deslocar um pouco do sistema bancário para o mercado de capitais, diluindo os custos financeiros que ainda são extremamente elevados no país.

De olho nessa nova realidade, Mantega encomendou estudos aos técnicos do governo para a criação de um mercado secundário de debêntures no país para dar a esses papéis maior liquidez, e, também, para popularizar esses investimentos, segundo informou ao Valor.

A recuperação da Bolsa de Valores, assinalou o ministro, tem sido espetacular. "A nossa Bolsa está uma maravilha. Continua dando lucros e voltamos aos 57 mil pontos pontos pré-crise. Foi a maior valorização em dólar no mundo."

Nos Estados Unidos, o fortalecimento do mercado de capitais teve papel bastante relevante no barateamento do crédito e isso impulsionou a expansão da economia por muitos anos. "Nós vamos entrar nessa fase", previu.

O papel do BNDES nesse cenário, para o ministro, não muda. "Hoje, os bancos privados não emprestam com mais de 20 anos de prazo. O BNDES tem operações de longo prazo estruturadas. Quando o setor privado oferecer o crédito que é dado pelo BNDES, vou achar ótimo", falou.

Mantega nega, porém, que o governo esteja pretendendo fazer nova capitalização do BNDES, já que as fontes tradicionais de recursos do banco estão minguando. "A cada ano, podemos fazer novos aportes", disse.

A redução da Selic, que, segundo ele, "tem de continuar caindo na medida em que as condições da inflação permitam", será a única forma de remover a trava ao crédito que os bancos impuseram após o início da crise global, em setembro de 2008.

Mais de 80% da carteira de títulos federais no Banco Central está nas mãos do mercado, em operações compromissadas do BC. Isso representa uma cifra superior a R$ 450 bilhões que poderiam, ainda que parcialmente, alimentar a oferta de crédito na economia. Sem disposição para emprestar, os bancos preferem deixar toda a sobra de caixa aplicada em títulos públicos, no BC, remunerados pela Selic e com compromisso de recompra.

Para o ministro da Fazenda, nesse caso, não há muito o que fazer: "Quando a Selic chegar a uma taxa civilizada, os bancos que ficarem nas operações compromissadas vão ganhar muito pouco e vão perder participação de mercado para os bancos que aumentarem suas carteiras de crédito", afirma.

Desmontar esse sistema não é simples. Se o BC deixasse de operar com as compromissadas, os juros tenderiam a zero. O Copom, ao fixar a meta da taxa Selic, garante que a compra será feita àquela taxa. Na medida em que a Selic for diminuindo, isso vai minguando o lucro dos bancos. E com a redução dos lucros "começam a aparecer as ineficiências da instituição.

Com 12% de Selic, estava tudo ótimo, mas com 8,75% não está mais", disse. Para Mantega, a única alternativa que restará ao sistema financeiro, nesse caso, será "emprestar mais, porque não falta consumidor".

No pós-crise, os empréstimos dos bancos públicos aumentaram 25,2% (setembro de 2008 a junho de 2009). A carteira de crédito dos bancos privados nacionais cresceu 3,9% e a dos estrangeiros, 2,6%. Isso ocorreu porque os bancos privados preferiram ficar entesourados ao invés de emprestar. "Se eles quiserem, vou agradecer e dar uma medalha para cada um."

Sobre o argumento da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) de que a bancarização não combina com redução dos spreads bancários, Mantega comentou: " Bancarização é incluir no sistema atores sociais que estavam de fora. Se ficar só nisso, eles têm razão. Mas, além da bancarização, queremos mais crédito para micro e pequenas empresas. Temos 100 milhões de consumidores da classe média que também precisam de financiamento. Por que os bancos não dão financiamento para eles? Não acredito que isso tenha custo maior".

Ao Estado caberá criar mais condições para o aumento da concorrência. "Criamos a conta-salário e ela vai estimular a mudança de banco. Se os sindicatos de trabalhadores começarem a migrar em bloco, você vai ver a concorrência que isso vai provocar", disse.