Título: Vilão do Lehman prevê mais críticas e desafia: Façam fila
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Fonte: Valor Econômico, 09/09/2009, Finanças, p. C4

Você está desarmado; que bom." Foi assim que Richard Fuld recebeu um jornalista da Reuters, que conseguiu encontrá-lo na sua casa de campo num cenário bucólico perto de um rio e em meio a declives cobertos de árvores em Ketchum, Idaho, na sexta-feira.

O homem tido como o vilão do colapso do Lehman Brothers quase um ano atrás, numa falência que desencadeou a crise econômica global, parecia suportar um peso, mas não parecia esmagado pela pressão do aniversário iminente.

Parado na entrada de carros coberta de cascalho, vestindo um colete preto de lã, calção cinza escuro e sandálias, Fuld indicou que estava hesitante em falar em sua própria defesa, em parte devido ao processo judicial em curso, mas também porque ele sentia que o mundo ainda não estava pronto para escutar.

"Você sabia? O aniversário está se aproximando", ele disse. "Fui destratado, fui denegrido, e isso voltará a acontecer. Eu posso dar conta disso. Quer saber de uma coisa? Que façam fila".

Fuld mais uma vez enfatizou sua preocupação com o que será dito e escrito a seu respeito nos dias que restam até o aniversário do colapso do Lehman, em 15 de setembro, mas também ressaltou sua capacidade de ir até o fim.

"Eles estão procurando uma pessoa para denegrir neste exato momento, e esta pessoa sou eu", lamentou Fuld, acrescentando, em seguida: "Você sabe o que dizem? 'Isso também passará'".

Fuld, de 63 anos, assumiu o controle do Lehman Brothers em 1994, quando o banco atravessava dificuldades, reerguendo-o e transformando-o no quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, uma potência de Wall Street cujo aparato bancário solidamente lucrativo em financiamentos imobiliários era motivo de inveja dos seus rivais. Até o Goldman Sachs estava agitado.

Mas o banco foi obrigado a requerer o maior pedido de falência na história dos EUA, depois que a instituição financeira tombou, asfixiada pelo peso dos ativos podres, e no momento em que o governo dos EUA e o Federal Reserve (o banco central dos EUA) fracassavam nas suas tentativas de encontrar um comprador e decidiam não apresentar um pacote de resgate.

Fuld em seguida foi humilhado perante um painel parlamentar em outubro, à medida que os mercados de ações se precipitavam numa queda em espiral. Ele ouviu de um político que ele foi considerado o "vilão" de plantão e passou a ser alvo de manifestantes que berravam exigindo que fosse preso.

Desde então, ele geralmente tem se esquivado dos holofotes, permitindo que uma imagem incontestada, de ganância, arrogância e fracasso, aderisse ao seu nome.

Em Ketchum na sexta-feira, Fuld disse que queria falar, mas que não via sentido. "Os fatos estão colocados às claras. Ninguém quer ouvi-los, especialmente não de mim".

O antigo executivo-chefe, que adotou o apelido de "gorila", que caracterizou seu estilo profissional impetuoso e intimidador, parecia e soava triste enquanto perambulava com seu visitante surpresa na parte externa da casa, que está situada ao lado de um rio nas Montanhas Rochosas.

Fuld, que disse ter escalado uma montanha próxima no começo do dia, negou-se a falar sobre seu trabalho atual. Amigos e conhecidos dizem, porém, que ele começou sua própria firma de consultoria, chamada Matrix Advisors, situada num escritório na Terceira Avenida, em Nova York. Ele também está prestando alguns serviços à firma de reestruturação Alvarez and Marsal, ajudando a livrar a situação do Lehman, sem custo, de acordo com fontes.

Ele viaja da sua propriedade em Greenwich, Connecticut, para seu trabalho em Manhattan cerca de três a quatro vezes por semana, e tem sido visto tomando cafés da manhã e almoços com ex-colegas em restaurantes de primeira classe em Nova York e Greenwich.

"Ele está mantendo uma postura discreta, mas tem frequentado muitos almoços com poderosos", afirmou um executivo graduado num grande banco de investimento americano. "Ele está mantendo contato com amigos em Wall Street".

Por trás destes almoços com poderosos está um homem nitidamente preocupado com a possibilidade de ser destratado mais uma vez.

Ele costumava insistir em se sentar em frente à porta do restaurante; ultimamente, ele tem ficado de frente para a parede.

O ex-executivo-chefe foi citado em quase 40 processos jurídicos diferentes desde que o Lehman Brothers faliu, cuja maioria foi movida por municipalidades e fundos de pensão que alegam que ele e outros executivos do Lehman os induziram a fazer maus investimentos.

Mais de uma dezena de ações foram movidas por ex-empregados da firma, que argumentam que os executivos do Lehman permitiram investimentos imprudentes nos recursos da firma destinados aos planos de poupança dos empregados.

Fuld esteve longe de ficar imune ao impacto financeiro do colapso. Estima-se que ele teria perdido mais de US$ 1 bilhão enquanto as ações do Lehman Brothers iam a pique e, nos meses que se seguiram à falência, Fuld e sua esposa, Kathy, começaram a vender imóveis de luxo e itens de arte valiosos.

Falando com o jornalista da Reuters no dia seguinte, ele disse: "Não sou um derrotista. Eu francamente acredito que no fim os mocinhos certamente vencerão. Acredito piamente nisso".