Título: Ajustes pós-PIB podem mudar rotas
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Fonte: Valor Econômico, 14/09/2009, Finanças, p. C2

Que a economia brasileira tinha voltado a crescer a partir de abril, após dois trimestres em recessão, todo mundo sabia. Mas poucos acreditavam que estava crescendo tanto assim. A alta de 1,9% do PIB do segundo trimestre superou a mediana das expectativas, de 1,7%. Uma expansão acima do previsto tem múltiplas implicações do ponto de vista dos mercados financeiros. Mexe com todos eles, sobretudo o câmbio e os juros futuros . Por isso, as reações conhecidas na sexta-feira foram apenas as iniciais. "Com o Brasil crescendo mais do que a média mundial, os ingressos de investimentos diretos e em ações serão estimulados. O equilíbrio macroeconômico eleva a demanda por bônus brasileiros, atuando na mesma direção. Embora a recuperação da atividade econômica eleve o déficit nas contas correntes, a tendência é para a estabilidade ou alguma valorização cambial adicional", sintetiza o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore.

E o futuro da taxa Selic em função desse crescimento maior? O Copom colocou um fim no ciclo de corte do juro básico e sinalizou que a taxa ficará em 8,75% por longo tempo. Quão longo será esse tempo o mercado passará a discutir mais a fundo já a partir dos dados desse PIB do segundo trimestre. "O risco de crescimento da inflação repousa na velocidade de fechamento do hiato de produto, e é esta velocidade que tem que ser monitorada para determinar o curso futuro da política monetária", explica Pastore. À luz do PIB, o mercado futuro de juros começou a redesenhar a estrutura a termo, mas ainda prevaleceu a leitura de que, a despeito das implicações da alta de 1,9%, há prêmios demais nos contratos. E o mais negociado, para janeiro de 2011, recuou de 9,68% para 9,64%. A taxa do swap de 360 dias cedeu de 9,14% para 9,13%.

O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, observa que, na ausência de investimento produtivo, não dá para crescer acima de 4% em 2010 sem gerar pressões inflacionárias. Os dados do PIB revelam que o consumo está bombando enquanto o investimento patina. "O resultado do PIB mostra que estamos retomando o crescimento de uma forma desequilibrada, baseada no consumo e sem investimento. Se isso resolve o nosso problema de curto prazo, certamente trará consequências no médio e longo prazos, sendo a mais visível a volta das pressões inflacionárias a partir de 2011", diz Leal.

Atualmente, a capacidade ociosa da economia não permite que isso aconteça. Para que o consumo não preencha rapidamente esse espaço, os investimentos já estão acontecendo neste exato momento. Mas o hiato do produto deixará de ser negativo no segundo semestre do ano que vem. Boa época para subir a Selic? Dificilmente o Copom fará isso já que as eleições presidenciais estarão pegando fogo. Se ele respeitar o ciclo político, fará o ajuste apenas no começo de 2011. Mas quem fará o ajuste? Qual Banco Central, o de Dilma ou o de Serra?

O dólar se movimentou na sexta-feira mais em função das pequenas quedas sofridas pelas bolsas de Wall Street - numa tentativa não muito bem-sucedida de "realizar" os vastos lucros recentes - do que das possíveis consequências de um crescimento brasileiro mais forte do que se imaginava. A moeda fechou cotada a R$ 1,8270, em valorização de 0,32%. Mas em todos os acumulados há quedas. Na semana, a baixa foi de 0,71%, ampliando para 3,33% a perda no mês e para 21,72% a sofrida no ano.

Para evitar apreciação cambial mais intensa, o corretor de câmbio Sidnei Nehme, diretor da NGO Câmbio, sugere algumas mudanças na política de intervenções do BC. Para Nehme, o BC deveria introduzir um elemento de surpresa nos seus leilões de compra, ao invés do automatismo atual: haja ou não excesso de dólares na praça, ele entra. Deveria também impedir, por ato normativo, que bancos com posições vendidas à vista participassem dos leilões. A existência destas posições vendidas pelos bancos, atualmente no valor de US$ 2,5 bilhões, em parte constituídas pelas compras do BC, faz com que atuem procurando conter a recuperação do preço da moeda americana, "pois certamente pretendem cobri-la a preços baixos, e isto impede o dólar de recuperar preço". Se os leilões se tornarem incertos e estratégicos, as operações não serão utilizadas como instrumento de ampliação de ganhos, distorcendo a formação da taxa de câmbio.

Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças