Título: As lições dos bancos latino-americanos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2009, Finanças, p. C10

A dois meses de sua realização, a 43ª assembleia anual da Federação Latino-Americana de Bancos (Felaban) já tem 900 bancos inscritos. O evento, que neste ano será realizado de 15 a 17 de novembro, em Miami, na Flórida, costuma atrair banqueiros de todas partes do mundo, interessados em fazer negócios. Cerca de 10 mil reuniões são realizadas a cada dia.

O presidente da Felaban, o brasileiro Ricardo Villela Marino, está confiante que desta vez não será diferente, apesar da crise internacional. Ele espera a presença de um total de 2 mil bancos. "Estou muito otimista e espero que a confiança seja restabelecida para que o crédito internacional seja reativado e os negócios continuem fluindo. Essas reuniões com olho no olho são ideais para se negociar linhas", disse Marino ao Valor.

Para ele, a assembleia será um bom termômetro do humor do mercado. Marino acredita que o bom desempenho dos bancos latino-americanos durante a crise certamente vai facilitar a retomada do crédito internacional.

Os bancos latino-americanos perderam menos valor de mercado do que as grandes instituições internacionais no auge da crise. O valor de mercado do Citigroup caiu 92% em 2008 sobre 2006; o do Bank of America recuou 84%; e o do Deutsche Bank, 77%. Nesse mesmo período, a capitalização de mercado do Itaú Unibanco caiu 31%; a do Banco de Chile, 20%; a do Banco de Crédito, 5%; e a do Bancolombia, subiu 3%, de acordo com estudo da consultoria McKinsey.

Levantamento feito pelo Valor Data com a base de dados da Economática mostra que o valor de mercado dos bancos latino-americanos cresceu 23,8% entre o fim de agosto, pouco antes da eclosão da crise internacional, e quinta-feira passada. Na região, destacam-se portanto os bancos peruanos, cujo valor de mercado aumentou 50,1%, e os brasileiros, que ganharam 27,9%. Nesse mesmo espaço de tempo, o valor de mercado dos bancos americanos caiu 2,3%.

Os bancos latinos também se saíram melhor em rentabilidade. O retorno médio dos bancos da região foi de 15,6% , puxado pelos 27,7% dos peruanos, 16,9% dos chilenos e 15,1% dos brasileiros. Já os americanos amargaram perdas.

Além disso, as instituições latino-americanas estão bem capitalizadas, com um índice da Basileia - capital equivalente a ativos ponderados pelo risco - de 15% em média, sendo 16% no México e 15,5% no Brasil e 13,3% na Colômbia para 12,8% nos EUA, 12,6% no Reino Unido e 12,5% na Alemanha.

Marino atribui o bom desempenho dos bancos latino-americanos ao aprendizado com as crises já passadas e também à rápida e eficaz reação dos governos da região. Apesar de ter apenas 35 anos, Marino sempre esteve perto dos assuntos do sistema financeiro. Ele é filho de Milu Villela, uma das principais acionistas do Banco Itaú Unibanco, e provável futuro sucessor de Roberto Setubal no comando do banco. Formando em engenharia mecânica em 1996, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e mestre em administração de empresas, pela MIT Sloan, de Cambridge, Estados Unidos, Marino é membro do conselho de administração do Itaú Unibanco e principal responsável pela política de recursos humanos e pelas unidades externas do banco.

Em novembro passado, em plena crise internacional, ele assumiu o comando da Felaban, entidade sem fins lucrativos de 44 anos, com cerca de 500 bancos e entidades financeiras de 19 países da região associados, É o terceiro brasileiro a presidir a federação.

Em pleno processo de integração do Itaú com o Unibanco, o "chapéu" de recursos humanos do banco tem ocupado 80% do seu tempo. "A cada semana tombamos um BankBoston na folha de pagamentos", disse. Isso quer dizer que a cada semana cerca de 6 mil funcionários do Unibanco são integrados à folha consolidada do Itaú Unibanco. Esse trabalho só deve estar concluído no fim do ano.

Apesar disso, também tem se dedicado com afinco à Felaban. Tanto que nesta semana está em viagem nos Estados Unidos para promover a assembleia anual e para contatos de alto nível para discutir a situação do sistema financeiro com o Tesouro americano, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) entre outros organismos.

Segundo Marino, a instabilidade econômica e a sucessão de crises que caracterizaram a região no passado levaram os bancos a reforçar o capital. "Alguns males do passado vieram para o bem. Depois de várias crises e muita volatilidade, os bancos latinos fizeram a lição de casa e estavam mais sólidos e capitalizados".

Além disso, estavam poucos expostos aos ativos que motivaram a crise internacional como as hipotecas de alto risco e securitizações fora dos balanços.

Teve influência positiva também o fato de os governos locais terem agido prontamente. O Brasil, por exemplo, reduziu compulsório e ofereceu liquidez ao mercado em moeda local e internacional, reduziu impostos, cortou juros. "Tudo isso mitigou a crise".

A supervisão bancária na região também é mais abrangente, fechando brechas para derivativos e securitizações, e exigindo capitais mais robustos.

Levantamento da Felaban mostra que houve avanços regulatórios importantes na América Latina, nos últimos 20 anos. Em 1990, só 31% dos países da região tinham agências de supervisão; atualmente são 88%. Os sistemas de custódia existiam em 27% dos países; agora, em 91%. As leis de insider trading, aplicadas em apenas 25% dos países, passaram a existir em 94%.

Mas, o mundo é um só e a América Latina sofreu as reverberações da crise na forma da redução dos fluxo de capital, queda dos preços das commodities e da renda.

Para voltar a crescer, disse Marino, a região depende dos países desenvolvidos. Além disso, pode dividir seu aprendizado com o resto do mundo. Daí a importância de eventos como a assembleia para trocar experiências, avaliar a situação e revigorar os negócios.

A Felaban também quer participar das discussões em torno do novo marco regulatório do sistema bancário internacional que, segundo Marino, deverá passar pelo aumento das exigências de capital, inclusive com provisões contracíclicas; maior transparência nos derivativos; e novas regras de remuneração dos executivos. Imprimir Compartilhar| Finanças: