Título: Crise segue alimentando o protecionismo
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2009, Internacional, p. A13

A crise mundial, que não terminou, e o aumento do desemprego vão alimentar mais pressões protecionistas no futuro, apesar dos sinais de que o colapso nos fluxos de comércio e de investimentos foi superado.

O alerta foi dado ontem por três organizações internacionais, que constatarem que os países do G-20, responsáveis por 75% da produção global, continuaram a quebrar o compromisso de não criar novas restrições ao comércio e investimentos em plena recessão.

O relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) foi enviado aos líderes do G-20, que se reúnem na semana que vem em Pittsburg para tratar dos rumos da economia global.

O risco de novos confrontos por causa de protecionismo foi reforçado ontem, quando a China reagiu com uma velocidade sem precedentes à imposição de uma sobretaxa de 35% aplicada pelos EUA na importação de pneus chineses. A medida americana foi adotada na sexta-feira. Ontem, além de acionar a OMC para contestar a medida, Pequim retaliou abrindo investigação antidumping contra a entrada do frango americano, que tambem pode levar a sobretaxa.

As três organizações internacionais dizem que países do G-20 aumentaram tarifas, introduziram novas medidas não tarifárias, e a maioria deles continuou a usar mecanismos de defesa comercial, como sobretaxa contra supostas importações com preços deslealmente baixos.

A Argentina é campeã da abertura de investigações antidumping, com 19 abertas no primeiro semestre. O Brasil abriu duas investigações. Os EUA, 14; a UE, 15; a Índia, 13; e a China, 14, mais do que no mesmo período de 2008.

Os EUA e a União Europeia, os dois elefantes do comércio mundial, deram o pior exemplo reintroduzindo subsídios à exportação de lácteos, portanto um mecanismo particularmente pernicioso nas trocas globais. Outras medidas burocráticas pesaram nas trocas. Produtos agrícolas, aço e ferro, veículos e autopeças, produtos químicos e plásticos, têxteis e vestuário têm sido os produtos mais afetados por todas as medidas.

Além disso, pacotes de estímulo listados no relatório, num total de US$ 3 trilhões, têm mecanismos que excluem importações. De maneira geral, a OMC estima que os países do G-20 estão pondo areia na engrenagem do comércio internacional, o que pode retardar a recuperação econômica.

Para as entidades, o principal risco é que os membros do G-20 continuem a ceder a pressões protecionistas mesmo se apenas gradualmente. Ainda mais que o desemprego continua a aumentar. A sobretaxa americana contra o pneu chinês foi pedida pelo sindicato de trabalhadores.

Outro risco é de que medidas temporárias para proteger empregos e os lucros das companhias agora acabem criando indústrias não competitivas e excesso de capacidade que continuarão a gerar protecionismo mesmo após a retomada econômica.

Ao mesmo tempo, porém, as três organizações mostram que o comércio mundial teve, enfim, uma alta de 2,5% em junho, depois de um ano no negativo. O fluxo de mercadorias começa a se normalizar, mas ainda está 19% abaixo do nível de abril de 2008.

Quase todos os países do G-20 viram suas exportações e importações aumentarem no último mês em relação ao mês anterior, incluindo EUA, UE, Japão, China, Índia, Turquia e África do Sul. As exceções foram o México, com pequeno declínio nas vendas e compras; o Brasil, com exportações que estagnaram em julho após alta forte em junho; e a Coreia, que teve desemprego idêntico ao do Brasil.

Emergentes da Ásia melhoraram suas exportações mais do que países industrializados. O pacote de estímulo chinês ajudou, com as importações chinesas crescendo 16% comparado à alta de 8% nas exportações.

Para a Unctad, o protecionismo tende a aumentar no rastro dos estragos econômicos e da terceira fase da crise, que é a crise social. Estima que 4 milhões de pessoas a mais por semana estão passando fome, e 53 milhões vão cair abaixo da linha da pobreza, vivendo com US$ 1 por dia, este ano. "Precisamos ser cuidadosos sobre as evidências de recuperação, ainda mais que os sinais de melhora vêm do setor financeiro, que está na origem da crise", diz o secretário-geral, Supachai Panitchpakdi.