Título: O caminho japonês rumo ao declínio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2009, Opinião, p. A17

Uma taxa de crescimento mais alta exigiria que os assalariados fizessem menos pausas para jogar golfe e demandaria imigração substancial

Esqueça o que costumava ouvir sobre a dedicação dos assalariados japoneses: desde o início da década de 1990, os japoneses relaxaram drasticamente sua dedicação ao trabalho. Com efeito, o economista Fumio Hayashi, da Universidade de Tóquio, comprovou que a principal razão por trás dos 20 anos de estagnação japonesa foi o decréscimo na quantidade de trabalho executada pelos japoneses.

O próprio governo foi pioneiro nesse aspecto, a partir de sua decisão de manter fechados os edifícios da administração pública aos sábados. Os bancos japoneses seguiram na mesma trilha. De 1988 até 1993, a semana oficial de trabalho encolheu 10%, de 44 horas para 40. Isso, tanto quanto outros fatores, contribuiu para colocar de joelhos o longo "milagre" econômico japonês pós-Segunda Guerra Mundial.

No setor de serviços, o declínio é ainda pior do que na indústria porque os serviços são fortemente regulamentados e parcialmente fechados à competição estrangeira. No setor varejista, que emprega um grande número de trabalhadores japoneses não especializados - as denominadas lojas tipo "mamãe e papai" - a produtividade japonesa é hoje 25% inferior à da Europa Ocidental.

O ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi (no poder entre 2000 e 2004) e seu principal assessor econômico e ministro das Finanças, Heizo Takenaka, compreenderam muito bem que o Japão estava perdendo terreno em termos de produtividade. Eles procuraram enfrentar a tendência de menos trabalho mediante privatização e desregulamentação.

Os poderosos burocratas japoneses, saudosos do modelo de desenvolvimento da década de 1960, mediante o qual o governo e seus círculos de empresários "amigos" cultivaram o milagre japonês, opuseram-se vigorosamente a essa ousada solução de livre mercado. Mas seu modelo é obsoleto porque o Japão hoje compete diretamente com muitos outros países asiáticos e não asiáticos, onde os hábitos de trabalho são do tipo que costumava predominar entre os japoneses.

Além disso, a opinião pública nunca apoiou a política de Koizumi, então acusada, como hoje, de ser uma fonte de desigualdade. Mas isso é uma falsidade: especulação imobiliária, e não privatização, foi a real fonte de riqueza imerecida no Japão. Apesar disso, o recém-vitorioso Partido Democrata do Japão (PDJ) conseguiu convencer a opinião pública das acusações contra as políticas de livre-mercado.

O recente triunfo eleitoral do ainda não testado PDJ de Yukio Hatoyama confirmou, assim, o desejo popular de não seguir o modelo de livre mercado americano. Não faz sentido econômico as declarações de Hatoyama de que crescimento é importante, mas felicidade vem em primeiro lugar. Apesar disso, esse sentimento reflete efetivamente o ânimo de muitos japoneses.

Assumindo que Hayashi e Takenaka estejam certos sobre as causas da estagnação no Japão, devemos indagar se os japoneses atuais estão dispostos a trabalhar mais com o objetivo de alcançar os EUA e liderar o desenvolvimento asiático. A estagnação é uma escolha coletiva tácita feita pela maioria em um país. Será que o povo japonês optou por isso?

Quase metade da população japonesa é de aposentados ou perto da idade de aposentadoria, e eles trabalharam com muito afinco para alcançar um alto nível de conforto. Graças a eles, apesar da decadência econômica da "década perdida", a renda japonesa permanece mais alta do que na Europa. Além disso, o desemprego é baixo, em comparação com o mundo ocidental, porque o improdutivo setor de distribuição absorve jovens que não conseguem encontrar trabalhos melhores. O Japão estagnado, por essa razão, continuou sendo uma sociedade pacífica e algo conservadora.

Em contraste, uma taxa de crescimento mais alta exigiria que os assalariados fizessem menos pausas para jogar golfe e demandaria imigração substancial em um país não acostumado a intromissão estrangeira e hábitos culturais distintos. Estarão os japoneses efetivamente dispostos a aceitar tal cura?

A maioria dos japoneses, principalmente na geração mais velha, está satisfeita com o tipo de sociedade que construíram. Eles percebem americanos e europeus como obcecados com dinheiro e ambições materiais, e parecem dispostos a aceitar alguma estagnação como preço para permanecer japoneses verdadeiros. Hatoyama compreende isso, e é essa a razão pela qual venceu a eleição recente.

As declarações de Hatoyama referindo-se a uma "nova era", que soa estranha de uma perspectiva ocidental, está em harmonia com o modo de ser japonês: esse é um país onde milhares de líderes de cultos oferecem uma miríade de caminhos para a Felicidade, especialmente uma superficial mistura de Nova Era e Zen Budismo.

Por quanto tempo poderá o Japão sustentar esse período de estagnação harmoniosa?

Os setores de alta tecnologia japoneses permanecem competitivos e o país continua sendo o segundo maior exportador do mundo. O Japão mantém uma economia extremamente inovadora, que registra mais novas patentes anualmente do que todos os países europeus reunidos - atrás apenas dos EUA e muito à frente da China e da Índia. As 150 milhões de pessoas no Japão ainda produzem bem mais do que os 2,5 bilhões de chineses e indianos.

Em aproximadamente 10 anos, porém, o Japão poderá perder seu status em relação ao restante da Ásia. A estagnação já está produzindo um grande impacto sobre os japoneses jovens, para os quais está ficando difícil encontrar um emprego, muito menos empregos vitalícios em grande multinacionais. Os adolescentes sabem que terão menos oportunidades do que seus pais tiveram. Como cobrirão os custos das aposentadorias e atendimento de saúde de seus pais é uma incógnita.

O mais preocupante é a ausência de debate franco sobre essas questões. O Japão é uma "sociedade silenciosa", que pressupõe que todo mundo intua o que está acontecendo, e os órgãos de mídia tomam cuidado para não provocar cisão social. Não se deve fazer perguntas difíceis - e respostas francas são consideradas demasiado grosseiras. Comentários de estrangeiros são bem-vindos, mas seus conselhos são geralmente ignorados.

Pode parecer à maioria dos japoneses que a persistência de seu poderio econômico lhes autorize o luxo de abandonarem-se a hábitos tão arraigados. Talvez devessem lembrar como Ernest Hemingway descreveu o processo de empobrecimento de um homem: "aos poucos, e, então, de repente".

Guy Sorman filósofo e economista francês, é autor de "Economics Does Not Lie" (A economia não mente)