Título: Falta seguro de crédito a empresas
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2009, Finanças, p. C1

As empresas e corretoras reclamam: não há mais seguro de crédito disponível. As seguradoras e resseguradoras dizem estar abertas para negócios. Mas não negam a redução drástica de limites e aumentos de preços de 30% a 50%. O mercado, que parecia tão promissor e atraiu quatro novas seguradoras estrangeiras e nacionais em 2007 e 2008, agora está em seu pior momento no Brasil.

A razão: a inadimplência das empresas não para de crescer, principalmente entre as pequenas e médias. E o impacto no balanço da maior parte das seguradoras começou a se fazer sentir com mais força agora. Quando uma empresa segurada detecta atraso no pagamento de uma cliente ou fornecedora, leva cerca de 30 dias para declarar o sinistro. Depois a própria seguradora tenta a negociação por mais 90 dias e, se não consegue recuperar o dinheiro, paga o cliente em 30 dias. São mais de cinco meses entre a inadimplência e a perda da seguradora.

"Nenhuma seguradora está emitindo ativamente novas apólices", diz o alemão Eric Brabenec, sócio-diretor da Geco Serviços Financeiros, corretora especializada em seguro de crédito. Brabenec, um dos pioneiros do seguro de crédito no país, que trouxe a seguradora francesa Coface para o Brasil ainda em 97 e já atuou em outras empresas nos mercados europeu e americano, diz que as seguradoras "se fecharam como tartarugas" em um momento no qual as empresas mais precisam delas.

Como exemplo ele cita uma empresa de informática que quer vender seus produtos para supermercados para o Natal e não consegue obter nem mesmo propostas de apólice das seguradoras. "Para pedidos de empresas grandes do setor de varejo com balanços menos transparentes e para a maioria do setor de agronegócio eu já aviso de cara que não vão conseguir nada - nem mesmo preciso consultar as seguradoras."

Até na hora de manter as apólices antigas, as empresas têm sofrido redução dos limites e aumento de preços, conta Brabenec. José Felipe Vieira de Castro, presidente da Aon Risk Services e da Aon Consulting, braços no Brasil da maior corretora de seguros do mundo, confirma que o mercado está parado, sem negócios, em função da inadimplência.

"Devemos retomar as vendas com mais força em 2010, pois a ordem agora é realmente o conservadorismo na veia", diz Fernando Blanco, presidente da Coface, a líder no seguro de crédito no país, com 65% do mercado interno no primeiro semestre e 38% do seguro à exportação. Ele nega, no entanto, que a Coface está fechada para novas apólices no país. Confirma que a empresa tem priorizado os grandes clientes internacionais e não tem atuado com corretores brasileiros.

Blanco apresenta números: até agosto, foram fechadas 17 novas apólices neste ano de seguro de crédito interno pela Coface, na comparação com as 23 do mesmo período de 2008. Os valores caíram, de R$ 7,8 milhões de janeiro a agosto do ano passado para R$ 4,5 milhões no mesmo período deste ano. A exposição da Coface ao seguro de crédito interno, segundo ele, caiu de R$ 15 bilhões de antes da crise para R$ 13 bilhões agora. No seguro de crédito à exportação, o corte foi ainda mais drástico, de US$ 2,8 bilhões para US$ 1,5 bilhão. "Isso mostra como a economia brasileira está se comportando melhor do que as outras em meio à crise internacional", diz.

Segundo Blanco, "nós fomos mais liberais do que nossos concorrentes no último trimestre do ano passado e agora colocamos o pé no freio com mais força". Ele conta que os preços médios praticados pela empresa subiram 32% na comparação com 2008. E diz que o aumento de prêmios no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2008 se deve em parte a isso e em parte a ajustes nas apólices, que cresceram por causa de vendas maiores em setores como o automotivo e o de aço, por exemplo.

O executivo revela que a maior cautela das seguradoras e resseguradoras acontece no mundo todo e que na França o governo resolveu atuar diretamente no mercado de seguro de crédito para manter os negócios em andamento. Ele diz que pode ajudar o governo brasileiro no mesmo sentido, se for o caso.

"Nós cortamos nossos limites já em setembro do ano passado e agora estamos pensando em voltar a crescer", diz Gilson Bochernitsan, presidente da Euler Hermes, a maior seguradora de crédito do mundo e a segunda colocada no Brasil. "Estamos bem mais seletivos, mas abertos para negócios", diz Jesús Angel Victorio Cano, presidente da espanhola Credito Y Caución, que passou a operar no país em 2007.

Também as resseguradoras estão na retranca. "A Munich Re possui uma altíssima exposição no Brasil no mercado de seguros de crédito e de garantia e por esse motivo prefere ser mais cautelosa durante a crise econômica mundial", diz Tânia Amaral Heydenreich, superintendente de riscos financeiros. Ela reconhece que a empresa tem sido "bastante rígida e conservadora em seus critérios de aceitação".

Já as seguradoras nacionais pisaram ainda mais no freio. Alexandre Malucelli, vice-presidente da JMalucelli, conta que a empresa, líder no mercado de garantias no Brasil, estava com tudo pronto para operar com seguro de crédito, incluindo equipe, produto e tecnologia. Mas, com o mercado piorando, resolveu esperar. "A decisão se mostrou acertada, pois a sinistralidade no Brasil está superior a 160%", diz. Em outros países, como Espanha, chegou a 300%, compara o executivo, que pretende voltar a olhar para o setor quando a "tempestade passar".

Na Fator Seguros ocorreu situação semelhante. A seguradora foi criada em 2008 para operar com crédito e garantias. Chegou a receber autorização da Superintendência de Seguros Privados para lançar o produto, mas optou por não fazê-lo. André Marino Gregori, diretor da Fator, acha que esse tipo de seguro, do jeito que está hoje, não decola mais. "O produto vai precisar passar por uma transformação, ser redesenhado."