Título: Aprovada cessão de direitos creditórios que antecipa receita
Autor: Lima , Vandson
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2009, Política, p. A11

A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou ontem por 61 votos a 15, em caráter de urgência, projeto de lei do Executivo que autoriza o Poder Executivo a ceder direitos creditórios como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), bem como taxas de qualquer espécie, como multas contratuais, que sejam objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais. Esses direitos creditórios serão colocados no mercado para que, assim, o governo possa adiantar receita, a ser agregada ao orçamento público.

A expectativa inicial é que o projeto possibilite a antecipação do recebimento de R$ 900 milhões, pouco mais da metade do que foi investido em 2009 em habitação (R$ 1,7 bilhão) e mais do que o gasto com as obras da linha 4 - amarela do Metrô (R$ 868 milhões). Na sessão que levou a proposta à votação, o palanque foi ocupado apenas pela oposição que questionou a antecipação de receita a ser proporcionada pelo projeto em pleno ano eleitoral. As chances de aprovação eram tão folgadas que nenhum dos parlamentares da base governista precisou subir a tribuna para defender o projeto.

Segundo o artigo 1º do PL 749, o controle da cessão de direitos, pode ser feito por uma sociedade de propósito específico (SPE) a ser criada, pela Companhia Paulista de Parcerias (CPP) - já existente. Prevê ainda a possibilidade de um fundo de investimento em direitos creditórios.

Na única emenda acatada, de autoria do próprio relator, o deputado estadual Bruno Covas (PSDB), propôs que o fundo de investimentos, seja "instituído e administrado por agente financeiro do tesouro estadual".

"O agente financeiro responsável (Nossa Caixa) é quem definirá. Usaremos o que melhor convier, para evitar perdas", diz Covas. Opositor do projeto, o deputado Rui Falcão (PT-SP) questiona o argumento: "O Estado está abrindo mão de suas funções e as transferindo a um orgão que nem sabemos qual será".

Nenhuma das emendas da oposição foi acatada. "Não há prazo definido, garantias do Estado ou mesmo uma cláusula que institua um perfil de compradores", diz Falcão.

Na audiência pública realizada na terça-feira, a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp) encaminhou uma moção de repúdio ao projeto, e sinalizou para a possibilidade de a entidade impetrar ação de ilegalidade, caso o texto seja aprovado - o que é provável, já que a ala governista tem ampla maioria na Assembleia, sendo 71 deputados da situação contra 23 da oposição.

Segundo Ivan Martins, presidente da Apesp, 70 procuradores lotados na Procuradoria Fiscal, assinaram a moção. "O projeto é uma ofensa ao contribuinte que paga em dia. Em vez de investir nos órgãos de cobrança, a medida é branda com o devedor. Não podemos assistir à transformação da Dívida Ativa do Estado em um balcão de negócios, tratando o crédito tributário como um bem disponível e negociável no mercado".

Na reunião, o secretário adjunto da Fazenda, George Tormin, encarregado de esclarecer questões relativas ao projeto, garantiu que a cessão dos créditos é um instrumento de mercado e que trata de uma cessão de direitos sobre o fluxo, e não da transferência da dívida do devedor para o comprador.

O tributarista Clovis Panzarini, ex-coordenador da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, explica o mecanismo: "É como se o Estado fizesse um carnê. O comprador, seja um banco, seja uma financeira, compra esse carnê, com uma porcentagem da dívida, paga ao governo agora e detém o direito de recebimento futuro. Para o comprador, como o Estado não se responsabiliza pelo pagamento, caso o devedor não honre a dívida (artigo 6º), a vantagem é comprar esses direitos com alto deságio".

O texto não fere a Constituição nem a Lei de Responsabilidade Fiscal, na opinião do advogado e professor emérito da PUC-SP Paulo de Barros Carvalho: "Não há inconstitucionalidade aparente, nem renúncia de receita. A iniciativa é boa, inclusive. O problema é o texto, cuja parte operacional é bastante nebulosa e pode dar margem a outras interpretações".