Título: Política cambial e estratégia de desenvolvimento
Autor: Scatolin , Fabio Dória
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2009, Opinião, p. A14

Passada a turbulência, o câmbio no Brasil retoma sua tendência pré-crise de valorização. A valorização do real ocorre por um movimento simultâneo de desvalorização do dólar no mercado mundial, fruto da estratégia americana de reorganizar sua economia, e pela valorização do próprio real em função das condições macroeconômicas internas e da política cambial de certa forma permissiva.

Como resultado, o real está entre as moedas mais voláteis do mundo, impactando negativamente o desenvolvimento do país. Dois pontos são centrais na relação entre estratégia de desenvolvimento e política cambial, nas primeiras décadas do século XXI. Um é o papel do câmbio nas estratégias de desenvolvimento dos países emergentes; o outro é a crise financeira internacional e as atitudes dos principais atores no novo cenário pós-crise.

Pode-se dizer que nas últimas décadas poucos países em desenvolvimento perseguiram uma estratégia de desenvolvimento bem sucedida em termos de melhoria da renda per capita. A maioria deles tem sido confusa e inconsistente em suas estratégias. A consequência é que a divergência entre os países ricos e pobres aumentou. O Brasil de 1930 a 1980 se encaixa no primeiro caso, dos poucos sucessos de combinação adequada de política cambial e estratégia de desenvolvimento. Infelizmente, nos últimos 30 anos, se encaixa no segundo caso. Entre os casos de sucesso recente encontram-se China, Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura.

Este resultado é fruto de um conjunto amplo de políticas de desenvolvimento consistentes que incluem política tecnológica de "cathing-up", uma política educacional que prioriza o ensino básico de qualidade, um papel do estado complementar ao da iniciativa privada e uma política de estabilidade macroeconômica que considera tanto o equilíbrio interno (controle da inflação) quanto o equilíbrio externo (equilíbrio ou superávit nas transações correntes). A crise cambial de 1997 e as anteriores serviram de lição para os países asiáticos sobre a importância de uma taxa de câmbio adequada à estrutura produtiva existente no país.

Mais especificamente, a taxa de câmbio, ao determinar a competitividade dos bens produzidos localmente e que podem ser transacionados internacionalmente ("tradables"), tem um papel central na definição da estrutura produtiva e na competitividade das economias em desenvolvimento. Deixar a taxa de câmbio nominal flutuar ao sabor dos movimentos de capitais especulativos é deixar a economia local à deriva em um mar revolto. A volatilidade resultante deste processo é extremamente danosa para o cálculo empresarial e para a inserção do Brasil na economia mundial.

Mas, se de um lado deixar o câmbio flutuar e se valorizar exageradamente não é a solução, por outro lado, a solução do controle de capitais de curto prazo parece simplista demais quando se vê a complexidade das relações brasileiras com o resto do mundo e a profundidade da crise financeira mundial.

Uma das causas básicas da crise é o excesso de poupança global e os desequilíbrios nos balanços de pagamentos de diferentes países. De um lado a Alemanha, China, Japão, países da OPEP e outros asiáticos como Taiwan e Cingapura obtêm gigantescos superávits nas transações correntes à custa de déficits igualmente gigantescos por parte dos EUA, Inglaterra, Austrália e alguns países do Leste Europeu. Esse desequilíbrio colossal que beirava US$ 1 trilhão antes da crise em 2007, começou a ser corrigido em 2009 com a redução do déficit norte-americano e inglês e dos demais países via desvalorização de suas moedas.

Essa correção não tem sido acompanhada por uma redução na mesma velocidade do superávit estrutural da China, OPEP e outros asiáticos via valorização relativa das suas moedas. A consequência desse ajuste é que, sendo a economia global uma economia fechada, o superávit elevado de alguns países implica em déficits em outros. Esse imenso ajuste implica em duas consequências para a economia internacional: os países superavitários defenderão suas exportações ao mesmo tempo em que novos países deficitários deverão surgir no cenário internacional para absorver o gigantesco volume de exportação dos países com estratégias de desenvolvimento baseadas em exportações. A relação entre moedas mudará, pois há uma mudança estrutural em curso. Moedas desvalorizadas como o renmimbi da China e outras deverão ter um peso maior no comércio internacional. É com estas moedas que devemos nos preocupar e não apenas com o dólar. O comércio de manufaturas será cada vez mais ditado por moedas desvalorizadas e o câmbio passado não será mais um bom indicador para o câmbio futuro.

Além disso, nesse novo mundo os deficitários comprarão menos e os superavitários buscarão novos importadores. Aqui reside o perigo para América Latina e África e o argumento da insuficiência do controle de capitais como medida de proteção. O movimento de capitais não se limita aos capitais especulativos, mas é também vinculado a investimentos estrangeiros e a empréstimos internacionais de médio e longo prazo. A proposta chinesa para despejar recursos no pré-sal brasileiro e na YPF argentina são só os primeiros exemplos a que nos referimos.

Dessa forma a questão central é entender que tanto a desvalorização do dólar no mundo como a valorização do real são fenômenos vinculados a um mesmo processo de reestruturação produtiva e financeira mundial em andamento.

O controle seletivo de capitais de curto prazo é necessário mas insuficiente. É preciso ir além com maiores intervenções do BC no mercado a vista e futuro no curto prazo. Estímulos a novos investimentos brasileiros no exterior, à captações locais e não no mercado financeiro mundial e, finalmente, pressões da diplomacia no sentido de uma reestruturação do sistema financeiro internacional são os principais instrumentos dos quais o país dispõe na atualidade para combater essa apreciação exagerada do real.

Fabio Dória Scatolin e João Basilio Pereima são professores de economia da Universidade Federal do Paraná - UFPR