Título: Brasil entrou no jogo
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2010, Mundo, p. 18

Voto contra as potências na discussãosobre sanções ao Irã firmou a imagem do país como interlocutor confiável e autônomo, avaliam analistas

Para o Brasil, aproximar-se do Irã poderia representar perdas e ganhos. O país arriscou por não ficar ao lado das grandes potências na votação de sanções (1)no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas vê a atitude ser reconhecida como corajosa. Na avaliação de especialistas, foi um sinal de integridade e de afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como mediador. O diálogo deve continuar e a diplomacia brasileira vai ter um papel importante nas discussões. A cadeira de membro permanente do conselho continua distante, mas já não parece impossível. Passar para o outro lado pode ter sido a melhor escolha para o país firmar-se de vez no cenário internacional.

De acordo com o diplomata Rubens Ricupero, embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993, o país fez a escolha certa e preservou a possibilidade de continuar no papel de mediador. ¿O Brasil não tinha alternativa, da mesma forma que a Turquia, a não ser de discordar das sanções. Do contrário, teria se desmoralizado. O comportamento de nossa representante, a embaixadora Maria Luiza Viotti, foi digno, sem provocações. Suas declarações foram irrefutáveis, ao lembrar as consequências trágicas das sanções no caso do Iraque¿, disse o diplomata ao Correio.

A mudança do Brasil, que geralmente tinha uma temática reservada às grande potências, surpreendeu. ¿Isso gerou um debate interno, mas o governo brasileiro sempre foi a favor da negociação, em primeiro lugar, e esteve ao lado da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Concordo com o ministro Celso Amorim: a partida já estava ganha, mas o Brasil manteve sua postura¿, comenta Carlos Eduardo Vidigal, doutor em relações internacionais e professor de história da Universidade de Brasília.

O diálogo entre Lula e o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, pode ter recebido críticas e não ter tido efeito para as grandes potências, mas serviu como afirmação. ¿O Brasil conseguiu se projetar mais ainda nos meios internacionais. Muita gente procura levar isso mais para o lado político interno e vê apenas o lado negativo. Mas, com a Turquia, conseguimos mostrar que existe oportunidade de negociação. Conquistamos conhecimento e um poder de barganha. Todos podem questionar o presidente, mas ele conseguiu construir uma forte credibilidade internacional¿, afirma Charles Pennaforte, diretor-geral do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais.

Mesmo depois da posição conquistada, o Brasil ainda pode ter dificuldades para mediar uma aproximação entre o Irã e as potências. ¿Acredito que qualquer tipo de acordo não interessa aos Estados Unidos, mesmo se o governo iraniano abrisse mão de tudo, o que não vai acontecer. O jogo já estava estabelecido e isso atrapalhou o papel brasileiro no processo de discussão. Infelizmente, Ahmadinejad vai fechar ainda mais o cerco e acredito que em no máximo dois anos ele vai anunciar a capacidade de ter um armamento nuclear¿, comenta Pennaforte.

Negócios A boa relação com o Irã e a imposição da quarta rodada de sanções podem render bons negócios para o Brasil. De acordo com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, as exportações devem aumentar. ¿Vários países devem se retrair com a sanção aplicada pela ONU. Isso abre uma porta de oportunidades para o Brasil¿, avaliou Jorge ao participar do programa Bom dia, ministro, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O comércio bilateral duplicou nos últimos sete anos, de US$ 500 milhões para US$ 1,23 bilhão. O Irã é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio, principalmente quando o assunto é o setor alimentício. Na visita que fez a Teerã, em maio, Lula anunciou uma linha de financiamento de 1 bilhão de euros, nos próximos cinco anos, para importadores iranianos de produtos brasileiros.