Título: Para Trabuco, inclusão é a força do Bradesco
Autor: Lappi , Luiz Carlos Trabuco
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2009, Finanças, p. C10

Em 1969, o começo de carreira no banco como escriturário não dava qualquer pista do que o futuro lhe reservava. Depois de dois anos em uma agência em Marília, no interior paulista, cidade onde o Bradesco foi fundado, foi recrutado para trabalhar no banco de investimento do grupo e teve que se mudar para São Paulo. Tempos difíceis aqueles. "Fiquei dois anos sem receber aumento e gastei todas as minhas economias", diverte-se Luiz Carlos Trabuco Cappi, desde março presidente do Bradesco.

Durante boa parte dos seus 40 anos de carreira no banco, Tabuco nem sonhava chegar à presidência. E, talvez, o que também não podia imaginar é que, se e quando isso acontecesse, não estaria à frente do maior banco privado do país, posto dominado pelo Bradesco por décadas a fio. Agora, prestes a completar 58 anos, o quarto presidente da história do Bradesco tem que lidar com essa nova realidade, que tomou de assalto os mais de 100 mil funcionários da instituição no dia 3 de novembro do ano passado, quando o Itaú anunciou a surpreendente aquisição do Unibanco.

Trabuco não demonstra se intimidar. Na primeira entrevista falar de estratégia desde que assumiu, nenhum tema foi considerado tabu. Ele discorreu abertamente sobre as possibilidades de aquisições e associações perdidas - sendo a da seguradora Porto Seguro a mais recente - e defendeu o modelo de negócios do Bradesco. "É preciso respeitar as diferenças, não há certo ou errado", disse durante a entrevista na última quarta-feira, em Brasília, ironicamente concedida na sala Porto Seguro do moderno Centro de Convenções Brasil XXI. Na sequência ele falaria a esperados 300 investidores.

Para ele, o Bradesco mostra sua força ao abrir 6 mil novas contas correntes ao dia entre a população não-bancarizada do país e registrar a impressionante marca de cinco milhões de contratos de empréstimo com valor inferior a R$ 500 . "Estamos nos especializando na oferta de crédito, porque essa é a regra do jogo no Brasil futuro."

De estilo mais informal que seus antecessores, o executivo não escapou da tradição do banco e, internamente, já se tornou "seu" Trabuco.

Valor: Perda de liderança, temos de falar sobre ela. Todos os grandes negócios recentes de consolidação no setor bancário e de seguros foram associações. O Bradesco não participou delas, não saiu vencedor. Por quê?

Luiz Carlos Trabuco Cappi :

Eu colocaria isso em uma balança. Não é que não saímos vencedores. Foi uma escolha da organização não fazer, porque acreditamos em nosso modelo.

Valor: O senhor está se referindo especificamente ao negócio com a Porto Seguro?

Trabuco: Esse e outros.

Valor: Ao perguntar isso, estou pensando em tudo, desde o Unibanco, que vocês chegaram a negociar no passado e não aconteceu, passando por Porto Seguro e até o Banco Votorantim.

Trabuco: Eu entendo e você vai encontrar mais três ou quatro casos. Mas entenda que as oportunidades que o mercado oferece têm que se adequar ao nosso modelo de negócios - somos um banco completo, múltiplo. Nós adquirimos o Banco Ibi porque fez sentido na estratégia incorporar quase 30 milhões de cartões, 115 agências, 171 postos avançados de atendimento dentro das lojas da C&A. O Bradesco exercita sua capacidade de escolher. Achou que era um bom negócio adquirir um banco para operar crédito consignado e fez a compra do BMC. Achou que deveria comprar uma corretora que tivesse força no homebroker, e veio a Ágora. Nossa obsessão é aumentar nossa fatia no mercado via especialização e segmentação, para que o cliente perceba que esse é o melhor banco para ele abrir conta, depositar, tomar crédito. Somos um banco que está se especializando na oferta de crédito, porque essa é a regra do jogo no Brasil futuro.

Valor: A leitura que se faz é que que operações com aquisição de controle se encaixam na estratégia do Bradesco e quando não há aquisição de controle, não são feitas.

Trabuco: Mas elas deixarem de ser feitas não é uma questão de ser vitorioso ou não. A nossa capacidade de crescimento orgânico é espetacular. Na média, neste ano, abrimos seis mil contas por dia na faixa de inclusão bancária. Temos cinco milhões de contratos de empréstimo com menos de R$ 500. Em sua origem, o banco tinha uma proposta de inclusão bancária, para pequenos e médios depositantes. Era para os excluídos do sistema bancário. Se você corre 20, 30 anos nessa história, a gente quer fazer mais do mesmo. Mesmo sem incorporação ou fusão, temos liderança em vários setores, em depósito à vista, em clientes, em consórcio, em pontos de atendimento, em previdência, em seguros.

Valor: Antigamente, havia vários negócios à venda e o mercado como um todo se consolidou. Hoje não existem negócios à venda, há possibilidades de associações. O Bradesco não tem vocação associativa?

Trabuco: Temos. Mas dentro de critérios que casem com a filosofia da casa. Nós temos parcerias estratégicas, como com as Casas Bahia. Somos o principal banqueiro que interage e suporta a Casas Bahia. Mas, claro, não há troca de ações. Às vezes se criam certas unanimidades, de que o jeito de ser é aquele e que, se não for aquele, se está fora do padrão, da moda. Nossa capacidade de competição se mostra pelos números. Somos capazes de vender mais de cinco mil seguros de automóveis diariamente. Temos mais de dez mil pessoas com cargo gerencial, que acordam de manhã sempre olhando para o mercado. Não tenho dúvidas de que seremos um dos vencedores nos próximos 20 anos. Mas não é porque alguém fez diferente é que está certo ou errado. A gente tem que respeitar as diferenças. E olha, cá entre nós, respeitar as diferenças é um negócio ultramoderno! [risos] É a tal da diversidade.

Valor: O fato de associações não se encaixarem na estratégia do Bradesco tem a ver com a sua estrutura acionária? Por que o banco não tem a figura do controlador?

Trabuco: O banco tem controlador, sim. Tem um núcleo de controle. Três partes, a Fundação Bradesco, a família Aguiar e a Cidade de Deus Participações. Juntos eles têm o controle. E dentro da Fundação e da Cidade de Deus Participações você tem os executivos.

Valor: A partir de qual nível hierárquico os executivos recebem ações?

Trabuco: De superintendente para cima.

Valor: E qual a participação exata dos executivos?

Trabuco: Eu não tenho aqui, mas o importante é que são três pontas que se equilibram, se constituindo no núcleo de controle. A mesa regedora da Fundação é formada pelos executivos, que votam. A estrutura acionária é sui generis? Pode se. Mas existe um núcleo de controle e isso não é impeditivo para se fazer associações.

Valor: No capítulo aquisições, agora se fala da seguradora SulAmérica. O que há de verdade nas informações de que o Bradesco tem mantido negociações?

Trabuco: Não teve conversa e seria inoportuna essa conversa.

Valor: Por que?

Trabuco: A SulAmérica é sócia em várias operações do Banco do Brasil, que tem um projeto de um grupo segurador. Não estamos disputando a SulAmérica e nunca conversamos.

Valor: O Banco Pactual, com quem vocês negociaram no passado, está voltando a ser um banco de controle brasileiro. Há possibilidade de negociações?

Trabuco: Aquela conversa não é do meu período (como presidente) e não sei quais foram as bases. Mas no cenário atual, com o crescimento do nosso banco de investimentos e a sua presença, não faz sentido.

Valor: Saindo do setor bancário, o Bradesco recebeu proposta do empresário Eike Batista pelo controle da Bradespar?

Trabuco: Recebeu. Ele procurou o "seu" Brandão e manifestou o interesse na fatia. E a resposta foi que não se cogitava discutir a proposta, não se foi avante.

Valor: A resposta foi imediata?

Trabuco: No dia posterior. Nem gostaria de comentar, porque estamos falando de Bradespar, que é uma outra empresa.

Valor: Qual era o valor da proposta?

Trabuco: Não tinha valor, era uma manifestação de interesse.

Valor: E qual é o projeto de vocês em relação à Bradespar e à Vale? Afinal, o banco é o controlador da Bradespar.

Trabuco: É manter essa participação. É um projeto que ainda pode maturar, com um ciclo de evolução favorável. Então é de manutenção.

Valor: Desde que o Bradesco perdeu a liderança, o que se tem dito é que a reação virá pelo crescimento orgânico. Faz quase um ano que o Itaú comprou o Unibanco, o que há de concreto para mostrar?

Trabuco: A capacidade de continuar a crescer com as próprias pernas. Um dado importante é que no volume de ativos somados a diferença existente em relação ao Bradesco já caiu em R$ 50 bilhões desde o anúncio da operação entre Itaú e Unibanco. O BB tem, com todas as aquisições que fez, R$ 643 bilhões de ativos, o Itaú está com R$ 596 bilhões e o Bradesco, com a sua capacidade de competição, tem R$ 482 bilhões. Com o atual índice de Basileia que temos, de 17%, a carteira de crédito pode crescer R$ 200 bilhões. Na apresentação que farei agora, mostrarei que, dos bancos privados, nós temos 21% da carteira de crédito, 31,5% dos depósitos à vista, 37% da poupança. Entre fundos e carteiras administradas, temos 22,6%. E dos prêmios de seguros e capitalização, 27,6%. São números que demonstram que nós temos a escalabilidade que será fundamental quando as margens caírem ainda mais e com os spreads declinantes. Temos 17,7% do total de agências do país, incluindo aí os bancos públicos. E 37% de todas as agências de bancos privados, incluindo todos: Itaú, Santander, Citi, HSBC, Safra, aí você vai embora. Quantos pontos de distribuição nós temos no país? Temos 36 mil máquinas de autoatendimento próprias e 34 mil pontos físicos de atendimento. Perceba que nossa logística de distribuição é invejável.

Valor: O Bradesco tem algum projeto novo?

Trabuco: Todos executivos estão colocando muito empenho e força no desenho da nova arquitetura de sistemas, que é uma plataforma de relacionamento com clientes, dentro de um projeto muito grande chamado TI Melhorias. Um projeto gigantesco que até o momento recebeu investimentos de R$ 1,4 bilhão.

Valor: O que vai mudar?

Trabuco: A plataforma tecnológica de identificação dos clientes, o cadastro único. O cliente deixa de ser um número, e passa a contar com todo o seu histórico. Hoje, por exemplo, já temos um milhão de clientes reconhecido por biometria. Apresentamos esse programa ao INSS na semana passada. Por isso que no último leilão do INSS nós compramos 26% de toda a massa de futuros beneficiários que entrarão no sistema nos próximos cinco anos, com direito de uso pelos próximos vinte anos. Fomos o banco vencedor. Em outra parte dos lotes, fomos o segundo banco colocado, o que significa que, se o banco vencedor não tiver agências nas praças em que venceu, podemos assumir.

Valor: A que fatia o Bradesco ainda pode chegar?

Trabuco: Acho que pode chegar a mais de 50%. Já levamos a Grande São Paulo e poderemos ficar com o interior de São Paulo. E talvez o interior da Bahia.

Valor: Qual a sua posição na polêmica recente envolvendo declarações do sr. Roberto Setubal, presidente do Itaú, de que a redução do spread pelos bancos públicos não é sustentável?

Trabuco: Não gostaria de comentar declarações de outras pessoas. Mas a nossa posição é que a redução do spread é sustentável. Por três fatores básicos. A queda da taxa de juro básica, é um fato, veio de 18% para 8%. Segundo, a competição e, terceiro, a liquidez que o sistema vivencia. A queda do spread é irreversível, irretocável e é equilibrada. O trabalho da Caixa Econômica e do Banco do Brasil deve ser reconhecido como de boa qualidade.

Valor: Como os senhores estão vendo a movimentação no setor de cartões para aumentar a competição, uma vez que o Bradesco é acionista de uma das empresas que está na berlinda?

Trabuco: Nós somos acionistas, junto com o Banco do Brasil, da empresa que tem a maior rede de credenciamento de estabelecimentos, que é a VisaNet. Vemos o movimento com bons olhos. A quebra da exclusividade é desejável e ela já tem data pra acontecer. No caso da VisaNet, está marcada para julho de 2010. A demora se explica porque não é trivial, todos os sistemas, que são muito complexos, têm de ler todas as bandeiras, todos os cartões. Isso é desejável.

Valor: Mas a margem de lucro vai cair.

Trabuco: As margens vão cair em favorecimento da melhoria da qualidade dos serviços e da relação entre banco, comércio e consumidor. O mundo está mudando e estamos de acordo.

Valor: O senhor acredita na entrada de concorrentes?

Trabuco: Sim, muitos outros.

Valor: Mesmo com o custo elevado para montar a infraestrutura?

Trabuco: Vai haver redes de credenciamento de lojas e captura de operações de diferentes tamanhos.

Valor: Como o senhor avalia o Brasil?

Trabuco: Temos a confiança de que o Brasil mudou e vai continuar mudando para melhor. A frase parece vazia, mas não é. A mobilidade social que o país terá nos próximos anos é muito diferente dos demais países do chamado Bric. O Brasil tem uma coisa preciosa que é a sociedade, o Estado brasileiro, ter uma estrutura que esses outros não têm: o público e o privado. No Brasil você tem bancos públicos e privados, cada um cumprindo o seu papel, tem saúde pública, mas também privada, e o mesmo com estradas, previdência etc. E essa composição pode ser um acelerador do desenvolvimento. O pré-sal pode ter controvérsias, mas segue esse modelo e com isso você queima etapas. Nosso departamento de economia levantou que dezesseis setores da economia vão investir, até 2013, R$ 1,3 trilhão de reais. Esse movimento todo sinaliza que os 100 milhões de brasileiros que vão adentrar o mercado de consumo nos próximos 20 anos serão de uma qualidade melhor. É neles que acreditamos.