Título: G-20 tenta agora avançar em sua agenda econômica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2009, Opinião, p. A14

As reuniões do G-20, o grupo dos maiores países desenvolvidos e emergentes, acabaram envoltas em expectativas que acompanhavam a gravidade da crise econômica. Em pleno auge da crise, os mercados se mostraram céticos de que de um time tão heterogêneo de países, com interesses tão conflitantes, pudesse resultar a necessária coordenação global para debelar uma catástrofe sem precedentes desde os anos 1930. Depois de vários pacotes fiscais e de ajuda financeira, e de trilhões de dólares no mercado, a economia global começou a reagir e a expectativa que agora ronda o encontro do G-20 esta semana é a de que ele não tem mais incentivos para tomar e executar decisões importantes, que seu ânimo arrefeceu e que os encontros voltaram a ser shows tediosos e inconclusivos. Essa perspectiva é falsa.

O G-20 se consolidou como um novo instrumento supra-nacional de decisão e ação muito mais rapida e satisfatoriamente do que mesmo os mais otimistas previam no início da crise. Algumas das principais questões sobre o novo formato da economia e do sistema financeiro estão em suas mãos e dele dependem as linhas gerais de ação que podem reger o mundo nos próximos anos. A magnitude e complexidade dos problemas, e a variedade de interesses envolvidos, tornam o esforço de mediação mais tortuoso e o consenso obtido fica mais perto do possível do que do desejável. Entretanto, houve avanços notáveis e o que o G-20 precisa fazer agora não é mais de rapidez nas decisões, e sim da definição de uma agenda de reconstrução econômica clara e de persistência em sua execução.

Há um surpreendente acordo, com uma ou outra divergência periférica, sobre as melhores maneiras de impedir que as instituições financeiras voltem a colocar o mundo novamente à beira do precipício. Há medidas corriqueiras sobre a mesa, algumas inovadoras e outras radicais. O G-20 soube até agora driblar a armadilha de constituição de um órgão multilateral com poderes de decisão sobre o sistema financeiro global, como queriam os europeus. As formas pactuadas de concordância entre nações podem até ter a desvantagem da lentidão, mas são uma alternativa ao conflito aberto e paralisante que uma nova estrutura com poderes intrusivos em decisões domésticas teria.

Os bancos sairão da crise com a obrigação de elevar seu capital, de ajustar o volume de capital ao estágio do ciclo econômico (maior nos período de crescimento, menor no de crises), de reduzir seu grau de alavancagem e de adequar prudentemente sua liquidez, reduzindo o financiamento de apostas de longo prazo com dinheiro de prazo muito curto. Os bônus milionários dos executivos serão cerceados, distribuídos ao longo dos anos, com uma parcela maior em ações, atrelados não mais a metas anuais, mas plurianuais e, também, obviamente atados a resultados gerados por vários exercícios. Há um diagnóstico claro e unânime sobre as causas da crise financeira e sobre os remédios para evitar sua repetição. A questão dos bônus é a que aparece de forma mais polêmica, embora não seja a mais importante. É nela que se concentram as necessidades de os governos darem justificativas políticas para entregarem dinheiro público a banqueiros irresponsáveis que procuram prêmios em meio à catástrofe financeira. As medidas até agora propostas para disciplinar os bônus não vão muito além do senso comum, embora vários executivos a coloquem como inibidoras da busca por talentos imprescindíveis aos negócios.

Não há e não haverá no G-20 consenso sobre uma solução acabada para os desequilíbrios estruturais da economia global. O G-20 pode desempenhar um papel relevante na contenção do protecionismo, mas tem pouca força de persuasão para, por exemplo, obrigar a China a valorizar sua moeda ou fazer com que o governo chinês se apoie mais na demanda doméstica do que nas exportações. Os países desenvolvidos saíram enfraquecidos da crise e os países emergentes, que se livraram rapidamente dela, querem obter mais poder na nova ordem internacional. Dessa forma, os avanços neste ponto tendem a ser muito menores, ainda que importantes. Se o G-20 implantar sua agenda financeira, fará um progresso extraordinário. Se evoluir na econômica, realizará uma proeza.