Título: Portugal deve sair dividido da eleição deste domingo
Autor: Bugge , Axel
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2009, Internacional, p. A10

Os votos portugueses que serão depositados nas urnas na eleição parlamentar deste domingo quase certamente farão recuar os ponteiros do relógio para épocas de incerteza política, no momento em que o país tenta lutar contra a recessão.

As pesquisas de intenção de voto conferem uma estreita vantagem para o premiê socialista José Sócrates. Mas elas indicam também que ele não conseguirá manter a maioria absoluta de partido no Parlamento, o que dificultará a repetição de políticas pró-mercado e pró-investimentos que caracterizaram seu primeiro mandato.

Apesar de analistas não descartarem uma vitória de Manuela Ferreira Leite, a líder do Partido Social Democrata conhecida como a dama de ferro da política local, eles dizem que o desafio real para quem quer que vença será aprovar as medidas no Parlamento.

O resultado poderá obrigar os socialistas a chegar a um entendimento com seus principais rivais - os social-democratas - em temas estratégicos como finanças públicas e o iminente orçamento de 2010. Em outras questões, poderão recorrer ao apoio dos partidos de esquerda.

"Parece que os socialistas vencerão, sem uma maioria e com dificuldades para governar", diz Francisco Sarsfield Cabral, comentarista político e editor da Rádio Renascença. "Creio que estamos falando de um governo que precisará negociar à esquerda e à direita."

A sondagem mais recente situa os socialistas de centro-esquerda com 34,9% das intenções de voto contra os 31,6% dos social-democratas de centro-direita. Os socialistas prometem manter um sólido papel do Estado na economia, que inclui vastos projetos de infraestrutura, como a linha de trem TGV de alta velocidade. Os social-democratas querem cortar os gastos públicos radicalmente e estimular o investimento no setor privado.

Para o país mais pobre da Europa Ocidental - com um PIB per capita de ¿15,6 mil, quase a metade da média de ¿28,3 mil da zona do euro - esse tipo de desfecho poderá ser de mau agouro para as tentativas de combater a a recessão econômica.

Sócrates conquistou 45% dos votos em 2005, que lhe permitiram sanear as finanças públicas e reformar as aposentadorias públicas e o funcionalismo público. Agora, porém, os níveis de endividamento estão piorando novamente, o desemprego atingiu o nível mais alto desde os anos 80, e as agências de classificação de crédito alertam para desafios futuros.

Nenhum candidato tem uma vitória nítida à vista. Pelo contrário, a política portuguesa está voltando à sua realidade multipartidária, com os votos se espalhando pelo espectro político, para os cinco maiores partidos, diz Rui Oliveira Costa, que comanda o instituto de pesquisa de opinião pública Eurosondagem.

"É virtualmente impossível que se repitam as circunstâncias que conduziram a uma maioria para os socialistas em 2005", acredita. "Há uma consolidação do sistema de cinco partidos. Portugal está retornando à normalidade de um sistema multipartidário, um sistema como o existente na Alemanha."

A dificuldade para os socialistas é que, apesar de provavelmente poderem trabalhar com os seus "aliados naturais" do Bloco de Esquerda em temas sociais, os partidos estão muito distantes no tocante às políticas econômicas pró-mercado de Sócrates ou nos difíceis temas das finanças públicas. E líderes do bloco já rejeitaram os rumores de uma aliança.

Assim, pode não restar muita alternativa óbvia a alguma forma de cooperação entre os socialistas e os social-democratas, seja formal ou conjuntural, especialmente com um Orçamento de 2010 à espera de aprovação.

O Orçamento deverá sofrer cortes de gastos radicais ou um aumento nos impostos para começar a ajustar o déficit deste ano, de 5,9% do PIB. Mas Portugal não possui nenhuma tradição real de governos de "coalizão ampla", que reúna os principais partidos de centro-direito e centro-esquerda.

Apenas uma vez desde o retorno de Portugal à democracia, em 1974, após décadas de ditadura, entre 1983 e 1985, socialistas e os social-democratas efetivamente governaram juntos.

"A situação poderá se tornar ingovernável com um governo de minoria. Estou preocupado com o futuro do país", disse Helder Constantino, um aposentado de 72 anos.