Título: Zelaya tenta uma cartada radical para voltar ao poder
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2009, Opinião, p. A14

O súbito aparecimento do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, às portas da embaixada brasileira em Tegucigalpa é sua derradeira tentativa de forçar a deposição do governo golpista e obrigar os países que o apoiam a se comprometerem com ações mais contundentes para isso. As pressões diplomáticas exercidas pela Organização dos Estados Americanos, pelos EUA e pelo Brasil não demoveram o presidente Roberto Micheletti da intenção de manter-se no poder. Zelaya, um político conservador, caminhava para o esquecimento até tentar forçar, agora, com sua "materialização" fulminante, um desfecho para a crise.

O governo brasileiro, ao que tudo indica, foi constrangido a aceitar a presença de Zelaya em sua embaixada. Por mais que existam simpatias com o "bolivarianismo" de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e seus adeptos, o apoio do Brasil ao governo venezuelano, boliviano, paraguaio ou equatoriano não chegou em nenhum momento a assumir os graves riscos políticos que a sustentação da aventura atual de Zelaya implica. Tudo é possível em uma história rocambolesca como essa, que já tem componentes de tragédia, com mortes nas ruas de Tegucigalpa, mas o mais provável é que o governo Lula foi metido em uma terrível enrascada contra a sua vontade.

O governo Lula agiu corretamente até agora no caso. Manuel Zelaya foi arrancado à força de seu país na madrugada de 28 de junho. Não houve o devido processo constitucional para retirá-lo do poder e todos os princípios democráticos ruíram quando Roberto Micheletti assumiu a presidência. Houve condenação geral ao golpe, inclusive dos Estados Unidos. Toda a pressão brasileira se encaminhou pelos canais diplomáticos, com o apoio restrito ao acordo de São José, que pressupunha a volta de Zelaya ao poder, um governo de coalizão e uma anistia a todos os envolvidos. Coerentemente, o Brasil não poderia ter se recusado a dar guarida a Zelaya, um presidente legítimo que teve de entrar clandestinamente em seu próprio país.

Ainda que haja muita coisa obscura no episódio, a estratégia de confronto e provocação é semelhante à do chavismo. Zelaya já ensaiou várias vezes voltar a Honduras e há pouco havia tentado fazê-lo pela Nicarágua, sendo barrado pelos militares. Como o episódio demonstrou, ele não tem o apoio inequívoco das massas que Chávez demonstrou possuir após ser vítima de uma tentativa de golpe em 2002. O expediente de criar fatos consumados, sem medir as consequências, é inspirado no chavismo, com uma pitada de ingredientes locais.

Zelaya não é Chávez em mais de um sentido. É conservador e só recentemente, ao que tudo indica por puro oportunismo, foi seduzido pelo canto de sereia da reeleição, vetada por cláusula pétrea da Constituição hondurenha. O presidente venezuelano, apoiado em vitórias eleitorais inequívocas, contou com o apoio do Congresso e, por meio da manipulação do poder, dos tribunais eleitorais e da Justiça, para só então tentar dar passos mais ousados, como o da reeleição ilimitada. Zelaya comportou-se como um amador e conseguiu arregimentar contra si o Congresso, a Justiça e as forças armadas.

Esse mesmo voluntarismo levou-o a entrar às escondidas em Honduras e buscar a representação brasileira na capital. Não por acaso, um de seus primeiros contatos telefônicos foi com Hugo Chávez. E não deixou de fazer da sua estadia um palanque, algo que mostra insensibilidade política diante de uma situação explosiva.

Por ser um aliado bolivariano de Chávez, Zelaya não inspira confiança do governo americano, o único que poderia tomar medidas decisivas, fora da força militar, para dobrar o regime ilegal hondurenho. Um boicote econômico dos EUA colocaria o governo arrogante de Micheletti de joelhos em poucos dias, mas isso significaria reviver, com sinal trocado, o velho intervencionismo americano. Zelaya colocou todos diante da alternativa de ou retirar um governo ilegítimo ou apoiá-lo em um exercício à luz do dia, claro e insustentável, de poder paralelo. As tensões chegaram a seu limite e o desenlace de um problema que não foi criado pelo Brasil é imprevisível.