Título: Os mundos de Serra
Autor: Rothenburg, Denise; Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 13/06/2010, Política, p. 2

Oficializado como candidato à Presidência, ex-governador é exaltado por políticos, mas ignorado pela ¿claque¿ com bandeiras tucanas

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Salvador (BA)¿Dois mundos paralelos. No palco e nas arquibancadas laterais, as estrelas do PSDB. Do lado de fora, uma multidão representava os militantes do partido, levados dos mais diversos estados. As duas pontas só iriam se encontrar mesmo depois do discurso com que José Serra deu a largada oficial de sua campanha à Presidência da República. Ele saiu do palco no Clube Espanhol, em Salvador, distribuindo sorrisos, abraços, beijos e posando para fotos ao lado de populares. Vestia, por cima da camisa com que discursou, uma outra, verde e amarela, com o número do PSDB, o 45, nas costas. Tentava ali, depois de atacar Lula pela primeira vez, ganhar a simpatia de um povo que não captou bem a mensagem. ¿Não dá para entender muito o que ele diz. Tem que falar para o povão¿, reclamou a desempregada Claudia Santos, 45 anos, que sabia ser esse o número do candidato.

Serra havia falado por mais de 40 minutos. Já nos primeiros momentos, atacou diretamente o presidente Luiz Inácio Lula Silva, comparando-o ao rei da França Luís XIV, famoso pela frase ¿o Estado sou eu¿: ¿O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou para trás há mais de 300 anos. Nas democracias e no Brasil não há lugar para luíses assim¿, disse, arrancando aplausos da área VIP, que traduziu bem a farpa. A plateia, mesmo, não entendeu.

Alvo O discurso do candidato não foi voltado para as mais de cinco mil pessoas que se digladiavam pelo lanche do partido ¿ uma maçã e um pão francês. Foi construído para mostrar o que o PSDB considera desrespeito do governo Lula aos poderes constituídos e à democracia. Serra falou de forma genérica sobre os ditadores que têm a simpatia de Lula e disse ainda acreditar no Congresso Nacional como uma casa de debates, ¿não como uma arena de mensalões, compra de votos e de silêncios¿ ¿ uma crítica ao escândalo que marcou o PT. ¿Quem justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que os outros fizeram deve merecer o repúdio da sociedade. São os neocorruptos¿, emendou.

Enquanto isso, no meio do povão, Adenílton Alves, 42 anos, de Camacan (BA), usava a camisa do PSDB, mas jurava já ter escolhido Dilma Rousseff (PT) como sua candidata. ¿O Lula foi bom para o Nordeste. Então, meu voto é nela¿, disse ele, que chegou à convenção numa caravana e dizia-se mais interessado na festa do que nos políticos. Mas prestou atenção no discurso do candidato.

Serra, ainda sem saber que ali havia votos que se diziam fechados para Dilma, fez questão de marcar as diferenças que o colocam em vantagem sobre a petista. ¿Não comecei ontem e nem caí de paraquedas. Fui aprovado e votado de novo¿, disse, comentando que obteve até agora 80 milhões de votos em sua vida pública, em que já foi até agora deputado federal, senador, prefeito e governador de São Paulo.

Serra não detalhou o programa de governo, mas deixou claras algumas ações e metas para a área de educação, saúde e segurança. No caso da saúde, o ex-ministro estipulou como meta a criação de ambulatórios médicos para a realização de 27 milhões de consultas/ano e 63 milhões de exames.

Uma das poucas estrelas ausentes foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve um vídeo com o seu discurso exibido para abrir a cerimônia. A cada um que ia discursar, o repentista cearense Luizinho fazia um verso. Serra, no entanto, foi chamado ao palco pelo ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, que saiu do script traçado pelo cerimonial de colocar todos falando do púlpito, longe do povo. Aécio pediu o microfone sem fio e se aproximou do povão. Empolgou a plateia e fez questão de dizer que Serra havia conquistado a candidatura pela sua trajetória e conclamou os tucanos a tomarem as praças, fazendo uma referência ao poeta baiano Castro Alves. ¿A praça não é do partido. É do povo. Vamos ocupá-las¿, disse. Ao final, numa convenção sem um candidato a vice definido, coube a ele a foto final, no púlpito, de mãos erguidas ao lado de Serra.