Título: A confiança que vem do acúmulo de reservas
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Fonte: Valor Econômico, 09/10/2009, Especial, p. A14

O Fundo Monetário Internacional (FMI) parece angustiado para recuperar o papel relevante que já teve no sistema financeiro mundial. Ele pretende reconquistar prestígio tornando-se um "banco central mundial", com a excêntrica proposta de que os países devem parar de acumular reservas e repassar seus excedentes ao Fundo, que se tornará o emprestador de última instância do planeta.

O plano foi apresentado pelo diretor gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, na assembleia geral que acaba de ser realizada em Istambul, quando o Fundo tentou retomar as rédeas das discussões das saídas para a crise internacional.

O papel do FMI tem sido mais de coadjuvante do que de ator principal. Foram os bancos centrais e os tesouros das principais economias que - de forma isolada ou coordenada - encararam os problemas de frente, injetando liquidez nos mercados e salvando os bancos com créditos ou capital. Até os países emergentes tiveram papel mais relevante. Prova disso foi o fortalecimento do Grupo dos 20 (G-20), que reune as 20 maiores economias do mundo.

Somente os bancos centrais dos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e Japão injetaram US$ 1,9 trilhão em liquidez nos mercados domésticos, sem contar os pacotes de salvamento dos bancos.

Já o FMI quebrou seu recorde mensal em concessão de crédito, com US$ 41,8 bilhões liberados em novembro de 2008. Alguns créditos excederam os limites usuais. Ainda assim, a contribuição do Fundo foi irrisória.

Um motivo para isso é que a crise, desta vez, não nasceu de deficiências no balanço de pagamentos, problemas com os quais o FMI está acostumado a lidar.

Além disso, o capital do FMI no fim do ano passado, de US$ 250 bilhões, era ridículo perto do tamanho dos problemas. Agora, o Fundo está levantando US$ 500 bilhões adicionais. Os Bric se dispõem a contribuir com US$ 80 bilhões, dos quais US$ 50 bilhões da China e o restante dividido igualitariamente entre o Brasil, Índia e Rússia. Os recursos adicionais entrarão no caixa do FMI na forma de New Arrangements to Borrow (NAB). Eles ficam à disposição do Fundo e só são desembolsados em caso de necessidade.

Na assembleia de Istambul, o FMI buscou recuperar a voz. Mas desestimular os países a acumular reservas não parece uma boa política mesmo que o objetivo seja induzir a um aumento do consumo. Nesta década, os países emergentes quintuplicaram as reservas, de US$ 733 bilhões em 2000 a US$ 4,236 trilhões em junho. Só a China concentra metade do total, US$ 2,131 bilhões. O Brasil tem 10%.

Foi esse colchão de liquidez que permitiu a esses países passarem relativamente incólumes pela crise internacional, seguindo uma receita do próprio FMI.

Nem todos acham o Fundo o melhor dono do cofre. O professor de Harvard, Kenneth Rogoff, que chefiou a equipe de economistas do FMI de 2001 a 2003, já criticou a a tendência de se superdimensionar o organismo. Ao invés disso, sugere ele, o Fundo deveria ser um interlocutor entre emprestadores e tomadores de recursos.

Rogoff não considera o Fundo preparado para deliberar a respeito de concessões de crédito ao menos até que sejam aperfeiçoados os mecanismos de governança do organismo. Algum progresso tem havido nessa discussão. Na assembleia de Istambul, o aumento do poder de voto dos países emergentes voltou ao debate. Os países emergentes, entre os quais o Brasil, querem aumentar em até 7% seus votos nas decisões do organismo. Mas conseguiram apenas 5% e ainda assim em janeiro de 2011.

A proposta do Fundo também cria um impasse para a política cambial dos países. Bancos centrais de países emergentes como o Brasil têm sido ativos compradores de moeda para reforçar as reservas e contrabalançar a tendência de queda do dólar. Sem isso, a política cambial teria que ser revista.

Ao fim da reunião em Istambul, a direção do Fundo parece ter se conscientizado de que agiu precipitadamente e resolveu atacar a questão do acúmulo de reservas por outro lado. Um dos quatro compromissos extraídos da reunião é aperfeiçoar a "flexible credit line" (FCL), uma nova linha de crédito do Fundo, e fornecer uma espécie de seguro, que reduza a necessidade de os países se precaverem contra crises construindo grandes reservas.