Título: Países ricos podem ter década perdida
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 13/06/2010, Economia, p. 14

Sem forças para retomar o crescimento sustentado e atolados em dívidas monstruosas, Europa, Estados Unidos e Japão encaram futuro sombrio. Avanço do mundo será compensado pela América Latina, sob a liderança do Brasil, e Ásia, puxada pela máquina China

Enquanto o mundo rico patina ao sabor de deficits gigantescos, desemprego em alta e pacotes de ajustes radicais, as nações em desenvolvimento, entre elas o Brasil, já dão como certos saltos robustos do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim de 2010. Trata-se de uma inversão de papéis. Diferentemente de outras épocas, serão as subpotências e os países de economia média os responsáveis por turbinar o crescimento global. Regiões como Japão, Estados Unidos e União Europeia, de tão fragilizadas, flertam com o risco de amargarem estagnações que podem durar anos a fio.

O desempenho pífio das economias mais tradicionais será compensado, em parte, pelo fôlego dos que não figuram no seleto grupo dos ricos. O equilíbrio só não será maior porque o comércio internacional ainda não flui como antes do estouro da bolha imobiliária americana em 2008, comprometendo a performance das commodities(1) ¿ itens primários produzidos em larga escala e cotados em bolsa. Como quase todos os que estão ampliando o Produto Interno Bruto (PIB) neste momento dependem da compra e da venda desses artigos, os ganhos não serão completos.

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que a economia global levantou-se da recessão antes do que se previa, mas as finanças públicas acabaram vitimadas devido a esforços intensos dos governos em fazer girar o consumo e a atividade industrial internos. Na Europa, onde países como Portugal, Espanha, Hungria e Grécia cortaram na própria carne e aumentaram impostos para compensar parte da explosão de suas dívidas, os prognósticos são incertos. Há quem aposte em um longo período de trevas, regado a buracos no Orçamento e a deflações.

Peso morto Francisco Barone, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que, em tese, os países em desenvolvimento estão crescendo mais porque a mola mestra conta com melhor pressão. O especialista não crê em uma década perdida para aqueles que estão em dificuldades, mas adverte: ¿É muito mais difícil colocar nos trilhos um desses países que estão mal do que uma economia em desenvolvimento¿. Por enquanto, alerta, carregar os ricos nos ombros tem sido relativamente fácil para os não ricos. ¿Mas se ocorrer outra crise sistêmica como a de 2008 os países em desenvolvimento não vão poder carregar o peso morto em que se transformaram os ricos. A estabilidade econômica mundial é feita hoje por nós¿, completa.

A taxa de expansão global prevista para este ano é foco de controvérsias. Algo como 4,2% está no radar do FMI, enquanto o Banco Mundial (Bird) projeta ganho entre 2,9% e 3,3%. A imprecisão dos organismos internacionais passa pela crise europeia, mas também pelo fato de a comunidade especializada simplesmente não saber o que vai acontecer com o Japão e os Estados Unidos. O primeiro, mergulhado em duas décadas de problemas fiscais e monetários, não dá sinais de que se erguerá tão cedo. O segundo, apesar de deter uma economia mais flexível, também não tem apresentado resultados robustos em áreas sensíveis como, por exemplo, o mercado de trabalho. Enquanto isso, países como México, Argentina e Brasil devem crescer entre 4% e 7%. Índia e China, por sua vez, crescerão entre 8% e 10%.

Lentidão Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que quanto mais rígida é a economia, mais difícil será para que ela deixe a crise. Pior para o Japão e a Europa. ¿O que os ricos precisam fazer é um belíssimo ajuste fiscal. Parte deles até fez isso no passado. A diferença agora é a força. No atual quadro, a tendência é de esses países crescerem menos e de alguns continuarem estagnados. O Japão, por exemplo, está virando uma grande Argentina, onde há política econômica mal conduzida, o que acabou virando um caso político mal conduzido¿, justifica.

A expectativa é de que o conserto custará caro e levará bem mais tempo. Ao contrário do aperto realizado nos anos 1980 e 1990 na América Latina, os europeus que agora tentam juntar os cacos e caminhar rumo a um processo de crescimento sustentado têm sérios obstáculos pela frente.

Cristiano Souza, economista do Banco Santander, afirma que o acerto fiscal, pela profundidade e extensão, será emblemático. ¿Vai demorar mais do que demorou entre os emergentes. Como gerar crescimento rápido suficiente para resolver o problema fiscal? Será difícil para muitas economias europeias conseguir competitividade¿, prevê. ¿Há ainda uma expectativa de deflação em alguns países ricos e isso é pior do que inflação, porque as pessoas postergam consumo¿, finaliza.