Título: Amorim diz que Brasil se tornou guardião de Zelaya
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2009, Internacional, p. A13

O governo brasileiro chegou a receber, e negou, um pedido do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, para que um avião do Brasil o ajudasse a regressar ao seu país, de onde foi expulso em junho por um golpe de Estado. O pedido foi feito há três meses, segundo revelou ontem o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, à Comissão de Assuntos Exteriores do Senado, em audiência para explicar as condições em que o governo vem abrigando Zelaya, desde a semana passada, na embaixada brasileira em Tegicugalpa. Amorim defendeu a permanência de Zelaya no local e cobrou ação da comunidade internacional.

Amorim afirmou que o Brasil, "por uma circunstância que não procurou, não planejou e não sabia com antecedência", assumiu um papel "quase que de guardião" do presidente Zelaya e das determinações internacionais para que os autores do golpe lhe entreguem de volta o poder e restabeleçam a democracia. "Agora cabe à comunidade internacional, pelos meios que achar que deve, compartilhar com o Brasil as dificuldades e o ônus desse esforço". O Brasil não quer "protagonismo" no caso, nem é o principal negociador, que deve ser a Organização dos estados Americanos (OEA), afirmou.

O ministro informou que vem conversando com autoridades mundiais sobre o assunto, entre elas a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, que, segundo relatou, agradeceu a ele pelo papel do Brasil na crise hondurenha.

Ontem, o departamento de Estado americano emitiu declaração conclamando o regime de fato a restabelece "imediatamente" os direitos civis e políticos no país e cobrando negociações com Zelaya para "solução duradoura e pacífica" da crise.

Muito questionado pelos senadores sobre o status de Zelaya na embaixada, e criticado pela atuação política do presidente hondurenho a partir das instalações do Brasil no país, Amorim garantiu que o governo tem pedido moderação ao presidente deposto, mas estranhou a insistência dos parlamentares em questionar a situação diplomática e política de Zelaya. "Nunca vi um governo condenado com tamanha unanimidade", comentou. "Não se trata de um patota: todos consideram Zelaya o único presidente constitucional"

"Mesmo os mais críticos de Zelaya consideram que a proteção que temos dado (ao presidente deposto) é positiva para um diálogo positivo, que leve ao restabelecimento da democracia", argumentou o ministro. "Essa questão não é discutida na comunidade internacional com a paixão que vejo no Brasil", queixou-se. "Há percepção de que ela pode conduzir ao diálogo."

Zelaya, segundo lembrou Amorim, concordou com o plano de pacificação proposto pelo ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, conhecido como Plano de San José, que prevê a volta do presidente eleito ao poder mas o compromisso de abandonar qualquer pretensão a reeleição ou à reforma constitucional - os motivos do golpe de Estado praticado contra ele pelo grupo que agora governa de fato o país. Quem recusou o acordo foram os golpistas, enfatizou o ministro.

Sem mencionar a resistência dos EUA a negar reconhecimento aos resultados das eleições a serem promovidas pelo governo de fato, Amorim afirmou que pelo menos dois candidatos às eleições em Honduras foram advertidos por Arias de que o resultado das eleições feitas pelo governo que deu o golpe em Honduras não receberia reconhecimento internacional.

Amorim repetiu que o governo só ficou sabendo da intenção de Zelaya de abrigar-se na embaixada brasileira meia hora antes de ele surgir à porta da representação diplomática. Embora o pedido do avião, feito por telefone ao próprio Amorim, indicasse a intenção de voltar ao país, Zelaya fez, depois de ter negado o pedido por Amorim, outras tentativas de voltar a Honduras, lembrou o ministro.

Ele afirmou que não vê motivos de reclamação contra os que ajudaram Zelaya a bater à porta da Embaixada. "Fizemos a coisa certa, o que a dignidade dizia para fazermos" , comentou. Ele lembrou que Zelaya, ao pedir ao governo autorização para ficar na embaixada, garantiu a ele e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a intenção de negociar o "regresso pacífico e pelo diálogo" ao poder. "Foi nessa condição que a proteção da embaixada foi estendida ao presidente eleito e legítimo de Honduras", disse o ministro.

Amorim citou comunicado emitido ontem pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, repreendendo as ameaças feitas pelo governo de fato às instalações diplomáticas do Brasil.