Título: Americanos pagam dívida, e EUA passam por desalavancagem
Autor: Wessel , David
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2009, Internacional, p. A11

A história dos últimos anos resumida em poucas sentenças: firmas do setor financeiro, outras empresas e famílias nos EUA entraram numas de tomar emprestado. Foi divertido. Bancos e investidores cederam empréstimos fácil demais e não cobraram o bastante para cobrir os riscos que estavam assumindo. Quando os devedores não puderam pagar os papagaios, e as garantias que haviam dado foram insuficientes para cobrir as dívidas, muitos bancos perderam dinheiro. Isso não foi divertido.

Agora, está difícil conseguir um empréstimo. E muitos americanos, a maioria dos bancos e algumas outras empresas estão relutantes em tomar empréstimos. Estão tentando aliviar sua carga de dívidas, ou, no jargão, "desalavancar".

Essa reação de prudência a uma febre de endividamento que se provou imprudente machuca a economia. Instituições financeiras, que na prática tomam emprestado de alguns para emprestar a outros, estão fazendo menos de ambos. Consumidores estão deixando de gastar para quitar dívidas. O resultado é uma economia que não cresce o bastante para reduzir o desemprego. O governo dos EUA não tem como interromper essa desalavancagem, mas está tentando aliviar a dor tomando mais empréstimos enquanto todo mundo tenta fazer o contrário.

A desalavancagem está nos estágios iniciais. Os grandes bancos já fizeram muito disso. Especialmente depois da calamidade do Lehman Brothers um ano atrás, firmas muito alavancadas recuaram. Muitas não tiveram escolha. Os dados mais recentes do Federal Reserve, o banco central americano, mostram que o setor financeiro do país reduziu suas captações a uma taxa anualizada de 12,2% no segundo trimestre. No trimestre anterior, a queda anualizada foi de 10,4%.

Mas bancos seguem com um pé atrás. "Apesar de os lucros bancários estarem se recuperando", disse o Fundo Monetário Internacional esta semana, "não se espera que cresçam o bastante para compensar baixas contábeis previsíveis nos próximos 18 meses."

A combinação de "lucros insuficientes" e "contínua pressão de desalavancagem" implica que "os bancos ainda não estão numa posição forte para apoiar a recuperação econômica", segundo o FMI.

Os lares americanos, que respondem por cerca de 40% do crédito nos EUA, estão muito atrás dos bancos na estrada da desalavancagem. Seja por vontade própria ou porque não conseguem crédito, as famílias começaram a reduzir suas dívidas há um ano, segundo o Fed. No segundo trimestre, que terminou em junho, a dívida dos americanos encolheu a uma taxa anual de 1,7% - uma taxa ínfima diante dos ritmo de expansão de meados da década, que passava dos 10%.

A estrada será longa. "A desalavancagem das famílias mal começou porque é difícil para elas reduzir a carga de dívidas, exceto pedindo falência pessoal", diz Martin Barnes, que vem monitorando o ciclo de crédito há anos para a "Bank Credit Analyst", uma publicação de previsões econômicas.

Ele observa que o governo vem dando ao consumidor uma mensagem dúbia: prega as virtudes de economizar mais e emprestar menos ao mesmo tempo em que oferece dinheiro para quem quiser trocar carros velhos por novos e estimula consumidores a tomar empréstimo para comprar um carro.

A dívida de pessoas físicas agora equivale a cerca de 125% da renda após os impostos, um pouco abaixo do seu pico, mas bem acima dos 80% em que estava em meados dos anos 90. Muito depende de se os americanos vão continuar poupando como agora enquanto a economia aos poucos se recupera ou se vão poupar mais ou menos.

Quanto mais poupadores os americanos ficarem, menos vão gastar em lojas, concessionárias de carros, companhias aéreas e restaurantes. "Qual o nível de dívida que uma família quer carregar?", indaga Rebecca Wilder, analista financeira que escreve para o blog Angry Bear. "Ninguém sabe dizer; só que é algo abaixo de 125%."

O governo dos EUA está fazendo o oposto de desalavancar. Pelas contas do Fed, a dívida federal cresceu a uma taxa anualizada de 28,2% no segundo trimestre. Essa não é uma solução de longo prazo.

"A esperança é que o governo tome emprestado como louco enquanto o setor privado põe a sua casa financeira em ordem", diz Barnes. "Quando o governo se vir forçado a lidar com o problema da sua dívida, e recuar maciçamente, o setor privado vai estar em forma e pode começar a se alavancar de novo." Essa é a esperança.

Em dezembro de 2007, escrevi que os "economistas chamam as últimas décadas em que recessões foram raras e a inflação, calma, de Grande Moderação. Isso parece estar dando lugar à Grande Desalavancagem. Na melhor das hipóteses, a economia tem uma ressaca e vai se sentir melhor em poucos meses. Mas este pode ser mais um caso de febre do beijo, em que o paciente não recupera o vigor por um período bem mais longo."

A metáfora média estava errada. O paciente teve um ataque cardíaco daqueles. Ele não está na terapia intensiva, mas está longe de saudável. Vai passar muito tempo na esteira de desalavancagem até que se sinta perto de normal.