Título: Só acordo diplomático porá fim a impasse hondurenho
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2009, Opinião, p. A12

Dez dias depois de o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, procurar refúgio na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, nenhuma das definições que seu ato poderia provocar ocorreu. Zelaya deu sua última cartada para emparedar o regime ilegal de Roberto Micheletti e forçar uma decisão a seu favor seja por uma pressão avassaladora das massas hondurenhas, seja pela pressão diplomática intensificada que seu gesto provocou. O que Zelaya conseguiu foi quase dividir a unânime condenação ao golpe que o retirou do poder, tornar ainda mais reticentes os Estados Unidos, que têm um poder decisivo sobre a permanência dos golpistas no poder, e, por outro lado, causar, com a truculência das ações reativas de Micheletti, um princípio de divisão entre as forças que apoiam o atual governo.

Um conservador eleito pelo Partido Liberal e depois transmutado em chavista, Zelaya atraiu contra si todas as críticas normalmente endereçadas a seu líder, o presidente venezuelano Hugo Chávez. Essa polarização política colocou uma nuvem de fumaça até mesmo sobre a ocorrência de um golpe em Honduras. Como presidente, Zelaya fez o que a Constituição proibia, ao buscar um referendo sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. Alguns anjos acreditam que ele não pretendia abrir caminho para a própria reeleição, por absoluta falta de tempo para isso. Basta ver o caminho seguido por Chávez, Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, para saber que a Constituinte tudo pode, inclusive marcar novas eleições no prazo que quiser e alterar constituições. Foi a receita bolivariana para o continuísmo.

É muito provável que Zelaya tenha a democracia em tão baixa conta quanto Chávez, que a tornou uma caricatura, deformada por suas ideias autoritárias. Ainda assim, Zelaya não poderia ser legalmente deportado e nem teve direito ao devido processo legal de destituição. Se não fossem os instintos "gorilas" do presidente do Congresso, Roberto Micheletti, havia boas chances de que Zelaya fosse apeado do poder pelas regras legais, pois conseguiu reunir contra si o Judiciário, o Legislativo e as Forças Armadas. Mas não teve chance de defesa e foi vítima de um condenável golpe de força.

O fato de o apoio popular a Zelaya não ser grande encorajou os golpistas a afrontarem a comunidade internacional e demonstrarem arrogância e intransigência nas negociações. Micheletti, ao decretar estado de sítio, passou dos limites traçados pelos próprios aliados e rachou seu apoio interno, o único trunfo político com que conta. Os candidatos à eleição de novembro titubeiam a céu aberto sobre a continuação de uma disputa na qual a vitória não será reconhecida. Há impasse e fraqueza nos dois lados adversários.

Zelaya não voltará nos braços do povo e agora volta a depender exclusivamente de apoio diplomático que ele quase cindiu com sua política do fato consumado. Ele deixou em delicada situação a diplomacia brasileira, ao transformar a embaixada em Tegucigalpa em sede de um governo paralelo, a emitir comunicados com apelos à rebelião das massas e à derrubada de Micheletti. O governo brasileiro, que fez o correto ao abrigar Zelaya, foi condescendente, para dizer o mínimo, com as atitudes provocadoras do presidente deposto. A "materialização" de Zelaya na embaixada não foi obra do Brasil, mas o Itamaraty sabia que ele apareceria por lá, como ficou claro com as declarações do ministro Celso Amorim no Senado, anteontem. Esse era mais um motivo para que o Brasil se preparasse para uma situação potencialmente explosiva, onde a tragédia era um desenlace possível. Mas a diplomacia brasileira ficou refém de Zelaya, como se desse carta-branca a todos os seus atos.

Amorim disse que no momento não interessa saber quem esteve por trás da "materialização" de Zelaya, mas não é difícil, pelo despiste diplomático, adivinhar a quem a negativa possivelmente elide: Chávez.

Com os dois lados enfraquecidos e sem cacife para resolver o impasse, a chance do acordo de São José volta ao primeiro plano. Não há saída sem que Zelaya volte em um governo de conciliação, todos sejam anistiados e se convoque eleições legítimas. Com isso, Zelaya retornaria para governar por pouco mais que um par de meses. Imprimir Compartilhar| Opinião: