Título: China volta-se para o consumo interno
Autor: Batson , Andrew
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2009, Empresas, p. B8
Agora que o tradicional motor do crescimento mundial, o consumidor americano, está massacrado pela recessão, algumas firmas exportadoras da China de alta produtividade estão de olho em um novo mercado: o chinês.
Há muito tempo a Tandem Industries fabrica e fornece bicicletas para grandes varejistas estrangeiros como a Wal-Mart Stores Inc. Mas as vendas da Tandem nos Estados Unidos caíram 40% desde setembro de 2008, o mês em que o crédito desapareceu nos EUA, dando origem a um pânico financeiro. Assim, a Tandem está prestes a oferecer suas bicicletas para o público na província de Guangdong, onde tem sede, com marca própria e em suas próprias lojas.
"A capacidade de consumo da China atingiu um nível bastante alto. Está em um ponto de virada", diz o gerente geral da Tandem, Tom Tseng. O nível de renda está subindo e os chineses já podem comprar mais artigos de alta qualidade, diz ele, ao passo que "nos EUA as pessoas agora só querem comprar coisas baratas".
Executivos chineses como Tseng estão se adaptando a uma situação que, acreditam eles, será uma conseqüência duradoura da profunda recessão dos EUA. O nível de poupança das famílias americanas que, de repente, se tornaram frugais subiu para US$ 566 bilhões, em valor anualizado, no segundo trimestre - mais de quatro vezes o nível do início de 2008. Mas embora a poupança seja importante para reconstruir a saúde financeira dos EUA, também está eliminando muita demanda na economia mundial. As exportações da China, depois de crescerem durante anos ao firme ritmo de 20% ou mais, registraram uma queda do índice ano a ano em novembro último. Elas continuaram caindo e em agosto ficaram 23% abaixo de um ano atrás.
Por outro lado, os gastos das famílias chinesas estão mantendo um bom nível, em parte devido aos maciços gastos para estimular a economia feitos por um governo que está nadando em dinheiro. Os gastos das famílias nas zonas urbanas chinesas subiram 9,2% no primeiro semestre de 2009, não longe da média do crescimento geral do país nos últimos anos.
Essa mudança na dinâmica mostra como o turbilhão econômico global está empurrando a China, a segunda maior exportadora mundial, depois da Alemanha, a tornar-se uma economia mais voltada para dentro. Mesmo depois que o crescimento mundial voltar aos eixos, a China provavelmente encontrará limites ao tentar ampliar sua participação no mercado de exportação, dizem economistas. O Banco Mundial prevê que ganhos mais lentos na exportação cortarão cerca de dois pontos percentuais no índice histórico de crescimento do país, de 10%.
Com a recessão, os exportadores chineses aprenderam os perigos de seguir um modelo de negócios estreito. "Nós confiamos demais no mercado americano" diz Tseng, de 42 anos, natural de Taiwan. "Se tivéssemos começado antes a vender para o mercado interno, nossos negócios não teriam se deteriorado tanto este ano."
Mas a demanda interna chinesa não é uma panacéia para os exportadores. Os chineses simplesmente não têm dinheiro para impulsionar a economia mundial, tal como fazem os grandes consumidores nova-iorquinos e parisienses.
Os consumidores dos EUA e da Europa injetam, cada um, mais de US$ 9,5 trilhões por ano na economia global, mesmo no atual ritmo reduzido pela recessão. As famílias chinesas, muito mais pobres, gastaram, em conjunto, pouco mais de US$ 1,5 trilhão no ano passado.
A renda disponível per capita nos EUA era de US$ 35.486 em 2008, ante US$ 2.270 na China. Assim, nem mesmo um país tão imenso e de crescimento rápido como a China tem como substituir os EUA e a Europa como motor do crescimento global.
Mas com as perspectivas de exportação ainda fracas (apesar do pequeno aumento das importações americanas em julho), e com os níveis de renda chineses continuando a subir, o consumo interno está se tornando uma parte mais importante na trajetória do crescimento do país.
Existe até a chance de que essa tendência possa ter um efeito sobre o problema da pirataria. Há muito as firmas estrangeiras que vendem na China se queixam de que a cópia e as violações de patente são desenfreadas, mas até agora obtiveram pouca simpatia nos tribunais locais. Essa atitude pode mudar se mais fabricantes chineses que vendem no próprio país começarem a fazer essa mesma queixa.
A Tandem fabrica bicicletas desde 1992, quando grande parte da área em torno da sua cidade de origem, Shunde, era rural, e o governo local estava ansioso para atrair novas empresas. A Tandem se tornou uma das milhares de pequenas empresas do sul da China que aprenderam a crescer e florescer com um modelo de negócios simples e básico: usar mão-de-obra de baixo custo para montar produtos sob contrato para distribuidores e varejistas estrangeiros.
O foco exclusivo na fabricação permitiu que essas empresas se concentrassem em manter os custos baixos e os volumes altos, sem desviar recursos para design ou marketing.
Os alicerces desse modelo enfraqueceram nos últimos anos. Terrenos vazios estão se povoando: a fábrica da Tandem, com mais de 50 hectares, é vizinha de outras fábricas e de algumas pequenas fazendas que ainda restam. Além disso, Tseng diz que está ficando mais difícil encontrar bons operários, o que o levou a instalar braços robóticos para soldar os quadros das bicicletas. Veio então a baixa na demanda no estrangeiro.
Alguns diretores da Tandem foram contra a busca do mercado interno, temendo que distribuidoras não pagariam as contas, concorrentes inescrupulosos inundariam o mercado com cópias piratas e que haveria uma pressão constante para baixar os preços. Mas Tseng, convencido de que a queda do consumo nos EUA não iria se recuperar tão logo, argumentou que era preciso dar uma chance às vendas domésticas.
Segundo ele, os chineses estão ficando mais receptivos às bicicletas de corrida com quadro de liga metálica e às mountain bikes que a Tandem fabrica para exportação. "A maneira como as pessoas usam a bicicleta está mudando", diz Tseng. Elas sempre foram apenas uma forma utilitária de transporte na China, antes da recente aceleração na compra de carros. Hoje os consumidores urbanos já vêem a bicicleta como uma forma de lazer ou exercício.
Recentemente, dirigindo sua caminhonete esportiva pelo centro da cidade de Shunde, Tseng via a demanda doméstica por todo lugar. Apontou para os veículos que lotavam o estacionamento de um shopping center: "Quanto custa cada um desses carros novos? Onde está a falta de consumo?" perguntou. "Todas as montadoras de automóveis do mundo vêm para cá por causa da demanda interna."
Em julho a diretoria da Tandem deu a aprovação para iniciar as vendas domésticas, em paralelo com as exportações. Essa mudança tornou a fabricante, que no ano passado vendeu US$ 114 milhões, uma empresa mais normal. Imprimir Compartilhar| The Wall Street Journal Americas: