Título: FMI quer ser o provedor de reservas para países
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2009, Finanças, p. C10

O Fundo Monetário Internacional (FMI) está estudando a criação de novos instrumentos de proteção financeira para ajudar países emergentes como o Brasil a se defender contra choques externos e convencê-los a abandonar a política de acumulação de reservas que eles praticaram nos últimos anos.

Uma das propostas em estudo prevê a criação de uma espécie de seguro como opção às linhas de crédito tradicionais do Fundo. Países interessados em se precaver contra crises pagariam prêmios à instituição para ter o direito de sacar automaticamente os seus recursos em caso de uma emergência.

O valor dos prêmios seria ajustado periodicamente conforme o desempenho econômico do país e somente aqueles com políticas consideradas responsáveis poderiam participar. Quem aceitasse submeter suas políticas a um programa de monitoramento mais rigoroso poderia pagar prêmios menores.

"Os países não precisariam mais acumular tantas reservas, porque teriam garantido o seu acesso aos recursos do Fundo se continuassem se comportando", disse o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, numa entrevista ao Valor às margens da reunião anual do FMI, em Istambul, na Turquia.

Os países em desenvolvimento acumularam nos últimos anos US$ 4,2 trilhões em reservas e acreditam que essa política ajudou a atenuar o impacto da crise sobre suas economias. O FMI prevê que esses países adicionarão outros US$ 570 bilhões às suas reservas no próximo ano. O Brasil tem hoje US$ 224 bilhões em divisas, mais do que no início da crise.

O Brasil e outros países emergentes também adquirem reservas para conter a valorização de suas moedas em relação ao dólar em momentos de aumento da entrada de divisas, uma estratégia que ajuda a manter competitivos os produtos exportados pelas indústrias domésticas.

Mas essa política tem custos elevados para os países que a praticam e muitos economistas acham que ela também contribuiu para desencadear a crise atual, fomentando os fluxos de capital externo abundantes que financiaram o endividamento dos Estados Unidos e de outros países ricos.

Para o FMI, convencer os países emergentes a trocar essa política por um novo tipo de proteção seria um passo importante para conter esses desequilíbrios. Mas a mudança também poderia gerar tensões com esses países se ampliasse a interferência do Fundo nas suas políticas domésticas e reduzisse a autonomia que eles conquistaram com as reservas.

Países como o Brasil hoje seguem políticas alinhadas com o figurino do FMI e vivem recebendo aplausos da instituição, mas dificilmente aceitariam abrir mão da sua autonomia. "A autoproteção é a melhor opção", disse ontem o presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, numa palestra para banqueiros em Istambul. "Se o FMI acumular reservas para os países, quem é que vai tomar a decisão na hora em que um país precisar das reservas?"

Estudos feitos pelos economistas do FMI sobre o desempenho dos países em desenvolvimento na fase mais aguda da crise lançam dúvidas sobre a estratégia que eles adotaram, segundo Blanchard. "Pode ser que os países estejam certos e nossa econometria esteja errada, mas a ideia de que países com muitas reservas se saíram melhor não salta aos olhos", afirmou ele.

Alguns países que entraram na crise com reservas volumosas sofreram muito na recessão, como a Rússia e a Tailândia. Blanchard disse que também não encontrou evidências de que as reservas tenham afetado a percepção dos investidores estrangeiros sobre os riscos oferecidos pelos países em desenvolvimento.

O Brasil saiu da crise pagando no mercado internacional prêmios de risco inferiores aos que os investidores têm cobrado do México. Mas a diferença é pequena e não parece refletir o fato de que o Brasil acumulou um colchão de divisas muito maior do que o mexicano, afirmou o economista.

Faz tempo que o Fundo busca uma opção atraente para os países emergentes. No ano passado, a organização lançou uma linha de crédito especial para países com bons fundamentos econômicos, a Linha de Crédito Flexível (LCF). Ela funciona como um cheque especial ao qual os governos podem recorrer depois de submeter suas políticas a uma avaliação do FMI.

O mecanismo oferece vantagens em relação aos empréstimos tradicionais do Fundo e foi útil para os três países que recorreram a ele no auge da crise, México, Colômbia e Polônia. A linha não exige dos países compromissos com novas políticas e quem a contrata só saca o dinheiro se precisar. Mas a LCF não dá aos países o mesmo grau de segurança que eles têm com as reservas. O prazo é de apenas um ano e a renovação depende de outra revisão das políticas do país pelo Fundo. "Se você tem reservas, você pode se comportar mal e fazer o que quiser", disse Blanchard. "Com a LCF, não dá."

Os novos planos do FMI são mais audaciosos. Na sexta-feira, o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, disse que deseja transformar a instituição em uma espécie de banco central global, que estaria sempre pronto para socorrer seus sócios. Mas há dúvidas sobre a capacidade que a instituição teria de exercer esse papel.

Parte do problema é de ordem financeira. Strauss-Kahn reconhece que um esquema desse tipo só teria futuro se ele tivesse mais recursos do que tem atualmente. O Fundo tem cerca de US$ 750 bilhões para emprestar e Strauss-Kahn sugeriu que precisaria de mais de US$ 1 trilhão para assegurar aos países emergentes o nível de conforto que eles gostariam.

A maior parte dos recursos que o FMI tem hoje para emprestar estão amarrados a compromissos de caráter provisório assumidos pelos países mais avançados neste ano por causa da crise. Assegurar fontes de recursos mais estáveis é uma das prioridades da agenda de Strauss-Kahn.

Ontem, o grupo de ministros de finanças que se reúne a cada seis meses para rever as estratégias do Fundo determinou que ele estude melhor o problema e apresente daqui a um ano um relatório propondo "alternativas críveis" às reservas e aperfeiçoamentos nas linhas de crédito oferecidas pela instituição.

Ninguém parece estar com pressa. Como lembrou ontem o ministro do Egito, Youssef Boutros-Ghalis, que preside o grupo, foram necessários três anos para concluir o processo que levou à criação do FMI e do Banco Mundial depois da Segunda Guerra Mundial. Nada indica que a discussão sobre as reservas dos países emergentes acabará em menos tempo.