Título: Emenda incluída na MP 462 abre guerra entre empresas de navegação
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Politica, p. A7

Uma emenda inserida na Medida Provisória 462, que trata do repasse de recursos para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), abriu uma guerra entre empresas que operam no transporte marítimo, na costa brasileira, e aquelas que atuam na navegação de interior, no norte do país. O Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) tenta derrubar emenda de interesse de companhias que transportam petróleo e derivados nos rios da Amazônia. Depois de aprovada na Câmara, a Medida Provisória 462, a última das MPs a aceitar "emendas contrabando" (com temas diversos do texto original), aguarda sanção presidencial até o dia 16 deste mês.

A cizânia entre as empresas de navegação marítima e de interior é motivada por uma "emenda contrabando". Ela trata do ressarcimento à marinha mercante, estabelecido pela lei 9.432, de 1997, que dispõe sobre o ordenamento do transporte aquaviário. Na visão do Syndarma, o texto da emenda muda as regras do ressarcimento ao qual têm direito as empresas de navegação que operam com origem ou destino nas regiões Norte e Nordeste. A emenda diz que a navegação de interior será "priorizada" na liberação de recursos do ressarcimento. "Consideramos o direcionamento dado à navegação de interior (na emenda) injusto. É como se uma mãe tivesse dois filhos e desse mais comida para um do que para o outro", disse Roberto Galli, vice-presidente executivo do Syndarma.

Existe a possibilidade , caso a emenda for sancionada, de a entidade entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Os movimentos pró e contra a emenda foram intensos nos bastidores até a aprovação da medida na Câmara, em segunda votação, em setembro. O Syndarma acionou deputados da bancada da indústria naval do Rio. Edmilson Valentim (PCdoB-RJ) conseguiu derrubar a emenda na primeira votação, mas terminou perdendo. "Houve pressão das empresas do Amazonas e se criou um clima (de hostilidade) entre empresas de interior e de cabotagem", disse Valentim. Segundo ele, a "prioridade" no ressarcimento não vai resolver os problemas das empresas de navegação de interior.

Luiz Rebelo, presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação Marítima, Fluvial, Lacustre e de Tráfego Portuário (Fenavega), disse que a emenda foi pedida pela entidade e por sindicatos que reúnem empresas de navegação fluvial no Amazonas, Pará e Roraima. A emenda, segundo ele, teria sido apresentada por Sandro Mabel (PR-GO), relator da MP 462 na Câmara. Fontes próximas ao Syndarma disseram que a proposta da emenda teria partido do deputado Lúcio Vale (PR-PA). O Valor procurou Vale e não obteve retorno. Mabel disse, via assessoria, que a emenda foi colocada na MP a pedido da bancada da Amazônia na Câmara, mas Valentim conseguiu derrubá-la. No Senado, coube ao líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), recolocar a emenda a pedido da bancada amazônica, disse Mabel.

Segundo o deputado, quando a MP voltou para a Câmara Valentim tentou novamente derrubar a emenda, mas perdeu no plenário por 300 votos a 48. "Houve o entendimento da maioria dos deputados de que as pequenas embarcações da navegação interior deverão ser priorizadas no ato do ressarcimento", disse Mabel.

Rebelo, da Fenavega, disse que as empresas de navegação fluvial têm interesse de utilizar o dinheiro do ressarcimento para transformar as barcaças de casco simples em duplo. Ele admitiu que a entidade visitou bancadas na Câmara, mas negou supostos interesses político-partidiários na aprovação da emenda, uma vez que ela teria sido impulsionada por deputados do PR, o mesmo do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que é do Amazonas e candidato ao governo.

"Nascimento não tem nada haver com isso", disse Rebelo. Segundo ele, as empresas ligadas à Fenavega estão preocupadas em garantir "benefícios" para o setor. Na visão dele, se o governo pagasse tudo que deve na conta ressarcimento não haveria problemas com o Syndarma. "O Syndarma deve brigar para buscar recursos no fundo (no departamento do FMM)", afirmou.

O gabinete do ministro Alfredo Nascimento, no Ministério dos Transportes, enviou uma nota ao Valor intitulada "esclarecimentos sobre a MP 462". Segundo o texto, as diretrizes estabelecidas na emenda que trata do ressarcimento são de iniciativa e responsabilidade dos parlamentares. "O Ministério dos Transportes não interferiu em sua redação e só agora, após a aprovação em caráter terminativo, foi instado a manifestar-se." A nota afirma que a MP aprovada está em análise na área técnico-jurídica do ministério com o objetivo de orientar a sanção presidencial.

A nota refutou ilações sobre eventuais "privilégios" à navegação de interior, modalidade presente nas mais diversas regiões do país, inclusive no Norte, segundo a nota. "Assim, tanto quanto a navegação marítima tem sido beneficiada com políticas de investimento, a navegação de interior deve merecer atenção do governo com vistas a acompanhar o desenvolvimento do setor naval." Na nota, o gabinete diz que o ministro não comenta especulações do meio político (referentes a um suposto interesse político-partidário) na emenda.

O ressarcimento à Marinha Mercante foi uma forma de incentivar as regiões Norte e Nordeste do país, isentando os clientes do pagamento de um adicional sobre os fretes. Nas cargas transportadas do Sul ou Sudeste para o Norte ou Nordeste, por exemplo, o cliente não precisou mais pagar 10% do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

Em compensação, a empresa de navegação passou a ter o direito de receber esse ressarcimento via Departamento do Fundo da Marinha Mercante (FMM), ligado ao Ministério dos Transportes. Os recursos só podem ser usados pela empresa de navegação para construir novos navios, fazer reparos em embarcações existentes ou para abater empréstimos do FMM e da Finame, linha de financiamento para bens de capital do BNDES.

Enquanto o adicional na cabotagem é de 10% sobre os fretes, as empresas que operam no transporte fluvial de petróleo e derivados têm direito a um ressarcimento de 40%. O Syndarma estima que o número de pedidos de ressarcimento situa-se na faixa de R$ 350 milhões por ano, entre navegação marítima e de interior, mas nos últimos três anos a verba alocada no orçamento do Ministério dos Transportes para ações de ressarcimento foi na faixa de R$ 140 milhões por ano. Em agosto, o Syndarma disse que as empresas de cabotagem tinham um estoque de R$ 400 milhões a receber do FMM referentes ao ressarcimento.

Nas contas do Syndarma, cinco anos atrás a cabotagem recebia cerca de 60% dos recursos do ressarcimento e as empresas de navegação de interior, 40%. Em 2007 e 2008, essa equação se inverteu, com a navegação fluvial recebendo a maior parte dos recursos. Segundo a entidade, até agora vinha sendo feito um rateio na hora de pagar o ressarcimento já que não havia dinheiro no orçamento para cobrir toda a demanda. O receio agora é de que, se a prioridade à navegação de interior for aprovada, podem não sobrar recursos para atender às empresas de cabotagem, o que comprometeria a construção de novos navios no país.