Título: Mais uma batalha de Itararé em torno do juro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Opiniao, p. A14

A disputa que se trava à luz do dia sobre a futura elevação da taxa de juros é mais uma das batalhas de Itararé em que frequentemente se envolve a equipe da Fazenda. 0 ministro Guido Mantega e seu secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, saíram a campo atacando o "terrorismo fiscal" de analistas, que projetam a necessidade de aumento dos juros a curto prazo para debelar a alta de inflação, estimulada pelo excesso de gastos do governo. Além de a tese constar das previsões de mercado, ela faz parte, ainda que de forma condicional e circunstanciada, do relatório de inflação de setembro divulgado pelo BC. O que irrita a Fazenda trata-se de uma obviedade: com a economia voltando a se reaquecer, o estímulo fiscal feito para tirá-la da recessão, se não for descontinuado, provocará inflação adicional. O governo petista raramente dá demonstrações de tanta unidade quanto na questão dos juros - todos contra o BC. Apesar das demonstrações de ira e inconformismo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre deu carta branca ao BC para realizar os ajustes necessários. Desta vez não deve ser diferente e toda a salva de fogos disparados mais uma vez prepara a batalha que não haverá.

Como a reação parece desproporcional, é possível que haja outros motivos no ar. Um deles é previsível - os efeitos de um aumento dos juros em pleno período eleitoral. Como os sinais são de que a campanha do candidato oficial governista, a ministra Dilma Rousseff, encontra dificuldades para garantir até agora um patamar de popularidade à altura das necessidades, a alta dos juros antes das eleições poderia ao mesmo tempo dar munição eleitoral ao governador José Serra, um habitual crítico do BC, e tirar votos de Dilma. A inconveniência política, de fato existe, mas a política monetária não existe para agradar candidatos e é para essas situações que existe a autonomia operacional do BC. Pode-se criticar, com boas doses de razão, o duro conservadorismo da equipe do BC, mas ele baseou-se até agora em diagnósticos técnicos, uma base adequada em torno da qual as interpretações podem variar.

Em primeiro lugar, é preciso qualificar o risco inflacionário visto pelo BC, que foi magnificado pela polêmica. Segundo o relatório, do terceiro trimestre de 2009 ao último de 2010, a inflação acumulada em quatro trimestres fica abaixo dos 4,5%, centro da meta para 2010 e 2011. Mas fica acima dele nos dois primeiros trimestres de 2011, e no terceiro, volta a coincidir com a meta. De quanto a inflação se distancia da meta? Pouco: 4,6% nos dois primeiros trimestres de 2011. Uma das causas, e não a única, são "os impulsos fiscais esperados para o segundo semestre de 2009 e o primeiro de 2010, que vêm contribuindo para acelerar a retomada da atividade". E tudo volta ao melhor dos mundos no terceiro trimestre de 2011, porque a projeção contempla "a expectativa de que ao menos em parte esses estímulos fiscais sejam retirados a partir do segundo semestre de 2010". É muito pouco para acirrar os ânimos.

O fato é que as previsões de mercado são piores e movimentaram para cima os juros futuros. Boa parte dos analistas começa a ver uma aceleração maior que a prevista e a iminência de, no início do ano, o BC elevar a taxa de juros em pelo menos dois pontos percentuais. O BC não diz qual será sua política e, se tudo continuar de acordo com seu cenário, pode até mesmo não mexer nos juros para acomodar um desvio de 0,1 ponto percentual. Neste ponto, a visão do BC é uma aliada, e não adversária, da posição da Fazenda.

A Fazenda argumenta que os mercados estão errados, o que é bastante provável. Até há pouco, prevalecia a projeção de uma retração de até 1% e agora já se fala que a economia retoma o ponto de que foi tirada pela crise global já em março de 2010. Por outro lado, não vê nada errado na política oficial, que privilegiou gastos permanentes e não temporários, e isso, segundo o BC e a maioria dos economistas, é de "complexa reversão". Este é um fato relevante não só para a política monetária. Com a maré montante de dólares e a valorização cambial, uma das armas para manter a competitividade brasileira é a redução de impostos. O governo, porém, poderá pouco se utilizar dela devido ao forte aumento das despesas salariais.