Título: Cenário alternativo ao do BC ignora inflação
Autor: Neumann, Denise
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Especial, p. A16

No governo federal nem todos partilham da preocupação com o binômio forte retomada econômica e inflação em 2010. Nas visões divergentes, outro cenário é traçado e nele um conjunto de fatores positivos vão convergir no próximo ano: os IGPs baixos deste ano (menos 0,40% nos últimos 12 meses) vão manter os preços administrados em níveis muito baixos, influenciando contas de energia elétrica, aluguéis, entre outros; a retomada lenta e moderada da economia mundial vai conter a cotação das commodities; a boa safra agrícola que se vislumbra vai segurar os preços de alimentos; a ociosidade no uso da capacidade instalada da indústria vai evitar pressões sobre os preços livres, no que será ajudada pelo câmbio.

Neste cenário de convergências benignas, o único fator de pressão real continuará a vir do setor de serviços, especialmente aqueles dirigidos às pessoas, esse sim o segmento que realmente responde ao mercado de trabalho - emprego e renda - e que tem parte dos preços indireta e informalmente indexados ao salário mínimo, que terá novo aumento real, porque será calculado com base no Produto Interno Bruto (PIB) ainda gordo do ano passado.

Nas previsões oficiais para 2010, mantém-se um crescimento de 4,5% para o PIB do próximo ano - desta vez uma estimativa mais modesta que aquela hoje feita por grande parte das consultorias e departamentos econômicos dos bancos e que toma 5% como piso.

No cenário alternativo ao do Banco Central desenhado dentro do governo, mesmo o crescimento de 5% do PIB pode ser alcançado sem exercer riscos ao cumprimento da meta da inflação, fixada em 4,5%. O principal argumento é justamente a ainda expressiva ociosidade da indústria no momento da retomada. Segundo a última sondagem da Fundação Getulio Vargas (FGV), em setembro esse percentual chegava em 81,9%.

Outra segurança para a trajetória benigna da inflação vem do forte ritmo do investimento produtivo nos três anos anteriores ao estouro da crise mundial. O Brasil cresceu em média 4,9% entre 2006 e 2008 e chegou ao terceiro trimestre de 2008 com uma taxa de investimento equivalente a 20% do PIB, indicando que o país alcançaria - sem a ocorrência da crise - a meta de 21% traçada no lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a segunda política industrial do governo Lula.

Reforça a tese de tranquilidade - defendida por alguns membros do governo - a retomada do investimento neste segundo semestre, estimulada pelo juro zero concedido nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a compra de máquinas e equipamentos que for efetuada até o fim do ano. Em agosto, o ritmo interno da produção de bens de capital foi 2,5% maior que o de junho, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), enquanto a importação de bens de capital aumentou 4,11% em agosto sobre junho (fim do primeiro semestre).

A capacidade instalada, portanto, está sendo subutilizada e, além disso, já teria começado a crescer antes mesmo da produção industrial ter voltado ao mesmo nível de setembro do ano passado. Em agosto, último dado disponível, a produção foi 8,09% inferior àquela. É por esse conjunto de sinais que, dentro do governo, há quem veja um cenário bastante confortável para a inflação e para a oferta de bens ao longo do ano eleitoral de 2010, contrariando quem vê necessidade de aumento nos juros já no primeiro trimestre do próximo ano.

No relatório de inflação de setembro, o Banco Central ainda traçou um cenário bastante benigno para a inflação, mas deixou claro o recado. "A evolução favorável registrada, no trimestre encerrado em agosto, pelos índices de preços ao consumidor e por atacado, e as expectativas de mercado em relação à sua evolução no restante do ano e em 2010, evidenciam a reduzida probabilidade de que as pressões inflacionárias localizadas em segmentos específicos se constituam em riscos relevantes à trajetória da inflação. Esta perspectiva, fortalecida pelo ambiente de ociosidade dos fatores de produção, torna-se mais relevante no atual cenário de retomada do nível da atividade econômica, concentrada inicialmente nos gastos de consumo - estimulados pelas melhoras nos mercados de trabalho e de crédito - e, mais recentemente, no desempenho da indústria. Cabe registrar, entretanto, que a redução da inflação brasileira para os consumidores, na esteira da crise internacional, foi modesta, se comparada com diversas outras economias, tanto avançadas quanto emergentes, evidenciando a persistência de mecanismos de indexação de preços e salário", apontou o documento do BC.