Título: Meirelles organiza a sucessão no BC
Autor: Safatle, Claudia ; Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Finacas, p. C1

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já acertou com o presidente Luis Inácio Lula da Silva como será conduzida a sucessão no comando do BC e, agora, terá uma conversa com cada um dos diretores da instituição para saber quem fica e quem pretende sair. Os que permanecerem terão que assumir o compromisso de ficar até dezembro de 2010. Os que assumirem em substituição aos demissionários ficarão no cargo até o fim do mandato de Lula, podendo, inclusive, continuar no posto caso o sucessor de Lula seja o candidato apoiado pelo governo.

Caberá a uma nova diretoria, portanto, a tarefa já prognosticada pelo mercado e por fontes do próprio governo, de elevar a taxa de juros Selic no ano que vem, às vésperas das eleições presidenciais. Pela segunda semana consecutiva a pesquisa de mercado feita pelo BC apontou juros em alta em 2010: a expectativa (mediana) saiu de 9,25% para 9,50% na semana passada e 9,75% esta semana, com alta de 1 ponto percentual sobre a meta da Selic de hoje (8,75%).

Meirelles escolherá seu sucessor - que deve ser o diretor de Normas, Alexandre Tombini - e os eventuais substitutos dos três diretores que já demonstraram vontade de deixar o banco ainda este ano. São eles: Mário Torós, de Política Monetária, que pode ser o primeiro a sair; Mário Mesquita, de Política Econômica; e Gustavo do Vale, diretor de Liquidações e Estatização. Este último já havia avisado a Meirelles da intenção de deixar o banco tão logo completou, no dia 21 de maio, tempo para aposentadoria. Os outros dois já emitiam sinais de desconforto desde que Meirelles começou a planejar sua candidatura ao governo de Goiás. Eles entendem que é totalmente incompatível um candidato a cargo eletivo com a função de um presidente do BC.

As relações dos diretores do BC no governo Lula não são harmoniosas. Desde que Guido Mantega assumiu o ministério da Fazenda, em 2006, as desavenças com relação à política econômica - juros, câmbio e fiscal - ficaram explícitas, retratando a própria ambiguidade do governo.

Foram inúmeros os momentos de tensão. O tom, porém, alcançou um decibel inédito na semana passada, depois da divulgação do relatório trimestral de inflação do BC. Pela primeira vez o relatório apontou o custo que a política de aumento do gasto público terá na inflação. O "impulso fiscal" e o afrouxamento monetário deste ano teriam aumentado de 3,9% para 4,4% a expectativa de inflação para 2010. Mais do que o texto frio do relatório, Mantega se irritou com o conteúdo crítico das matérias que, no seu entender, teriam tido a influência dos diretores do BC.

A preparação do relatório é cuidadosa; seu conteúdo passa pela aprovação de toda a diretoria do banco; e sua divulgação é previamente combinada. Portanto, se o diretor Mário Mesquita pôs o foco nos efeitos do "impulso fiscal", na entrevista à imprensa que se segue à divulgação do relatório, foi sob orientação de Meirelles.

O fato é que ao dimensionar em percentuais de inflação os efeitos do aumento dos gastos - que ocorreu simultaneamente à redução dos juros básicos - o BC estaria criticando diretamente o ministro da Fazenda, que tem a chave do cofre, e o presidente Lula, que é o avalista dessa política. A resposta da Fazenda veio na quinta-feira, quando o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, foi autorizado por Mantega, que estava na Turquia, a falar com a imprensa e a qualificar a atitude do BC de "terrorismo fiscal".

Apesar de ele mesmo ser mais conservador do que flexível na gestão fiscal e de advogar a imposição de limites aos gastos com salários, por exemplo, Barbosa fez a defesa da expansão da folha de pessoal do governo e apontou o BC como um beneficiário dos reajustes: "Quero frisar que essa valorização dos funcionários públicos beneficiou as carreiras do BC. Lá, a despesa média com servidores subiu de R$ 10,67 mil, em 2005, para R$ 18,11 mil, em 2009", disse.

Ao se filiar ao PMDB e deixar aberta a porta para se candidatar - seja ao governo de Goiás ou a vice de Dilma Roussef na disputa presidencial - Meirelles anunciou que pretende presidir o BC até março. Com antecedência, contudo, deverá anunciar seu sucessor e a nova diretoria. No governo há quem tema que essa fórmula não dê certo e que ele acabe tendo que sair antes.