Título: Brasil reserva US$ 10 bi para o Fundo
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2009, Financas, p. C8

O Brasil se comprometeu ontem a emprestar até US$ 10 bilhões para o Fundo Monetário Internacional (FMI), numa tentativa de ampliar sua influência e a de outros países emergentes sobre o destino de centenas de bilhões de dólares mobilizados pela instituição para reforçar seu poder de fogo no combate a crises financeiras como a atual.

De acordo com as condições apresentadas pelo governo, não haverá nenhum desembolso imediato de recursos. O FMI só terá acesso aos dólares prometidos pelo Brasil quando houver uma crise, se os cofres da organização precisarem de reforço e ela não quiser recorrer a fontes de recursos que outros países colocaram à sua disposição nos últimos meses.

O Fundo terá dois anos para fazer isso. Se precisar do dinheiro, ele dará em troca ao Brasil bônus que poderão ser incorporados às reservas internacionais do país, que hoje somam US$ 224 bilhões. Esses papéis não poderão ser negociados no mercado e só poderão ser resgatados depois de cinco anos.

O governo anunciou a intenção de fazer essa contribuição há três meses, mas só formalizou a decisão ontem numa carta entregue pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, durante a assembleia anual da instituição em Istambul, na Turquia.

O Brasil deve assinar nos próximos meses um contrato com o Fundo para pôr os detalhes no papel. Mantega afirmou que o acordo reflete uma "mudança radical" sofrida pela economia brasileira nos últimos anos. "Definitivamente deixamos a condição de devedores para ser credores", disse o ministro.

Os bônus serão denominados em Direitos Especiais de Saque (DES), uma espécie de moeda sintética criada pelo Fundo que reflete o valor de uma cesta composta por dólares, euros, ienes e libras esterlinas. Os papéis pagarão rendimentos a cada três meses, com uma taxa equivalente a 0,25% hoje, superior ao rendimento oferecido por títulos do Tesouro americano nesse prazo.

Os bônus foram criados pelo Fundo para atender a uma reivindicação dos BRICs, o grupo informal de potências emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia e China. A China se comprometeu a emprestar até US$ 50 bilhões ao FMI. A Rússia e a Índia prometem entrar com US$ 10 bilhões cada.

Os quatro países concordaram em colaborar com os cofres do FMI no auge da crise, mas se recusam a fazer contribuições de caráter permanente enquanto seu poder de voto na cúpula da instituição não for ampliado. As reformas necessárias para que isso ocorra têm enfrentado enorme resistência política dos países mais avançados.

Mesmo que o Fundo nunca precise do dinheiro do Brasil e o governo jamais tenha que sacar divisas para comprar os bônus do FMI, Mantega acredita que o compromisso assumido com a instituição ajudará a pressionar os países ricos a acelerar essas reformas. Pelo calendário do Fundo, as negociações sobre o assunto deverão se arrastar até 2011.

O FMI conseguiu atrair nos últimos meses quase US$ 500 bilhões em novas contribuições dos sócios, mas nenhum centavo entrou diretamente nos cofres da instituição. O grosso do dinheiro está associado a uma linha de crédito especial controlada por um pequeno grupo de 26 países.

Esse mecanismo é conhecido como Novos Acordos de Obtenção de Empréstimo (NAB, na sigla em inglês) e é dominado por países ricos como os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha, embora algumas nações em desenvolvimento, como o Chile, a Coreia do Sul e a Tailândia, também façam parte do grupo.

Como no caso dos bônus, e ao contrário do que ocorre com o capital próprio do Fundo, o dinheiro disponível por meio desse mecanismo só pode ser sacado em circunstâncias especiais e com autorização dos participantes do grupo. Desde sua criação, o NAB só foi usado uma vez, para ajudar a financiar um pacote de socorro ao Brasil no fim de 1998.

Nos últimos dias, o Brasil e os outros BRICs começaram a negociar com os EUA e outros países ricos sua entrada no clube que administra esses recursos. Se forem aceitos, os compromissos que eles assumiram com o Fundo agora em troca dos bônus seriam transferidos para a contabilidade do NAB.

Juntos, os BRICs contribuiriam com US$ 80 bilhões para esse mecanismo. Mas eles avisaram no fim de semana que só aceitam entrar no grupo se tiverem poder de veto sobre as suas decisões. Para que isso ocorra, eles precisariam contribuir com pelo menos 15% dos recursos totais disponíveis no NAB.

Com 20% dos votos, os EUA são o único membro do clube que hoje tem esse poder. Mas os europeus são os que mais resistem à mudança. Uma reunião convocada para discutir o assunto foi cancelada ontem por causa do "nível de discordância excessivo" no grupo, disse o representante do Brasil na diretoria do FMI, Paulo Nogueira Batista Júnior.