Título: Setor prepara a autorregulação
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2009, Finanças, p. C10

A indústria de cartões de crédito vai cumprir as medidas definidas pelo governo para estimular a competição no setor. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) apresentará, em 15 dias, o primeiro esboço do Código de Autorregulação do setor, elaborado a partir de cinco ações definidas por três instâncias do governo - a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) e o Banco Central (BC).

As informações foram prestadas ao Valor pelo presidente da Abecs, Paulo Caffarelli. "A indústria de cartões deu uma série de sugestões e o convênio do governo (SDE, Seae e BC) foi além delas, mas entendemos que o que foi decidido representa um benefício para a sociedade", afirmou Caffarelli, que é também vice-presidente do Banco do Brasil para a área de cartões, novos negócios e seguridade. O banco é um dos acionistas da VisaNet, a empresa que ainda detém no país a exclusividade de credenciamento dos cartões Visa.

Anunciadas há duas semanas, as medidas representam o início das mudanças que o governo pretende fazer no setor de cartões. São alterações que não dependem da aprovação de leis, mas da autorregulação e de resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN). "Houve um avanço em termos de compreensão por parte da indústria, mas também houve avanço, por parte do convênio (SDE, BC e Seae), de que as coisas não acontecem de um dia para o outro. Vamos precisar de tempo para ajustar certas atuações, notadamente, na área tecnológica", disse Caffarelli.

O diretor de Política Monetária do BC, Mário Torós, informou que o governo deverá baixar, provavelmente no próximo mês, resoluções do CMN para formalizar algumas das medidas impostas à indústria de cartões. Antes, avaliará o Código de Autorregulação. Torós revelou que a proposta de criação do código partiu da equipe técnica do convênio governamental.

"A autorregulação é uma forma de acelerar todo o processo e de dar flexibilidade, agilizando a dinâmica competitiva", comentou o diretor. "Em um ano, a competição no setor será outra."

O presidente da Abecs explicou que o fim da exclusividade do credenciamento e a adoção do compartilhamento de terminais aumentarão fortemente a concorrência na ponta dos serviços, ou seja, na captura de lojistas. Estes não precisarão mais pagar pelo uso de várias máquinas para operar com mais de uma bandeira de cartão de crédito. "Em vez de o lojista pagar seis, sete aluguéis de máquinas, pagará no máximo dois ou mesmo um. Isso vai estimular a concorrência entre as adquirentes (credenciadoras)", previu Caffarelli. Hoje, o custo mensal das máquinas varia de R$ 50 a R$ 120.

Um outro ponto do pacote prevê a neutralidade das operações de liquidação e compensação das transações com cartão. Hoje, isso é feito pelas duas empresas que comandam o mercado - VisaNet e Redecard. O presidente da Abecs informou que o setor terá um "clearing" independente. Ele disse, no entanto, que serão necessários de dois a três anos para a adoção da exigência feita pelo governo. O uso da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), da Febraban, é uma possibilidade, mas isso ainda não está decidido. "Demandamos mais tempo para colocar isso em vigor porque vai ser necessário adequar as especificidades de cada uma das empresas."

Caffarelli disse que a indústria de cartões também cumprirá a determinação do governo que prevê o fortalecimento das bandeiras nacionais de débito. Hoje, essas operações são feitas por duas bandeiras estrangeiras - a Visa Electron (da Visa) e a Maestro (Mastercard) -, acarretando custos para os bancos, os lojistas e os consumidores brasileiros. O presidente da Abecs concorda que não há justificativa para a manutenção desse custo transacional.

"Não há nenhum atributo da Visa e da Mastercard nas transações internas. O uso de bandeiras nacionais reduzirá os custos das transações", disse Caffarelli. Ele acredita que surgirão bandeiras nacionais a partir de um movimento orquestrado por vários bancos ou liderado por uma única instituição. "Faz sentido os bancos criarem suas próprias bandeiras por causa do custo que eles têm hoje com a Visa e a Mastercard."

O executivo da Abecs aposta que a competição não afetará a evolução do setor no Brasil, que avança de forma ininterrupta desde 1995 e que, em 2008, cresceu 24%. "Você acha que outros adquirentes não terão interesse em se estabelecer no Brasil e participar desse mercado, competindo com VisaNet e Redecard?", indagou.

O governo vai aproveitar a tramitação de projetos de lei sobre cartões de crédito no Congresso para debater pelo menos três temas polêmicos - o fim da verticalização, que permite hoje às empresas atuar nas três fases da cadeira produtiva; a definição do regulador; e a questão do sobrepreço. A estratégia é deixar esse assunto para o Congresso porque, do contrário, será difícil implementá-las sem o amparo de uma lei.