Título: Governo quer Estados no combate a cartéis
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2009, Brasil, p. A3

Depois de arrecadar mais de R$ 1 bilhão de empresas acusadas por formação de cartel, nos últimos anos, o Ministério da Justiça decidiu descentralizar a sua atuação nessa área e vai expandir as ações numa rede ampla na qual os protagonistas serão os promotores públicos dos Estados.

A política de combate aos cartéis é tradicionalmente vinculada à Secretaria de Direito Econômico (SDE), que inicia as investigações, e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável pelo julgamento dos processos. É como se a SDE fosse o promotor e o Cade, o juiz. Só que a SDE possui apenas 30 técnicos para atuar no país inteiro e o Cade dispõe de sete conselheiros para julgar esses processos. O número é baixo, considerando que há 300 investigações em curso.

Hoje, a SDE vai receber mais de 140 pessoas entre promotores e delegados da Polícia Federal dos 26 Estados e do Distrito Federal. O objetivo é que todos sejam capacitados para iniciar as investigações em seus Estados.

Essa descentralização da política de combate a cartéis terá impactos diretos nas empresas que respondem a investigações. Primeiro, porque os processos na SDE levam a punições administrativas, como multas e a proibição de empresas fecharem contratos com o governo. Já os processos iniciados pelos promotores levam a penas criminais: cadeia para os empresários.

Com a maior participação dos promotores no combate aos cartéis, a expectativa é a de que aumente o número de condenações criminais. Hoje, há 34 executivos condenados por cartel no Brasil, enquanto cem respondem a acusações na esfera administrativa.

"A pena administrativa tem um papel importante, mas o peso de uma punição criminal, inclusive com a restrição de liberdade, é ainda mais dissuasório", admitiu a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares de Araújo.

Outra consequência importante dessa nova política é que os processos abertos pelo Ministério Público costumam contar com provas mais robustas, pois os promotores acionam diretamente a Justiça e, com isso, têm acesso aos documentos internos de empresas suspeitas de cartel. Assim, a participação do Ministério Público dá mais garantia às autoridades antitruste de que as empresas que fizeram acordos de preços serão realmente condenadas ao fim das investigações.

Por fim, a descentralização vai levar à criação de uma rede nacional de combate aos cartéis. Essa rede será lançada hoje com o nome de Estratégia Nacional de Combate aos Cartéis (Enacc). A inspiração veio da Encla - rede de combate à lavagem de dinheiro que reúne mais de 50 órgãos públicos todos os anos para definir metas e responsabilidades de cada um no cerco aos crimes financeiros.

A nova rede vai contar com a participação de promotores, de delegados da PF, da Controladoria-Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU), do Cade e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, entre outros. A SDE será responsável pela condução dos encontros. Mas, o objetivo da Enacc não será a definição de metas, como na Encla. A SDE quer reforçar, nessa rede, a atuação dos promotores em investigações locais. "Nós esperamos que surjam mais ações na área criminal do que na esfera administrativa", disse Mariana. "Caberá a cada promotor, em seu Estado, atuar perante os juízes e convencê-los da importância do combate aos cartéis."

A nova rede será lançada hoje, no Ministério da Justiça, com o apoio pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele vai participar da assinatura de um acordo de cooperação com a União Europeia para a troca de informações sobre empresas suspeitas de cartel, com a comissária de Concorrência da UE, Neelie Kroes.

Foi esse tipo de intercâmbio que permitiu à SDE participar de uma operação simultânea com os Estados Unidos e desbaratar o cartel dos compressores de refrigeração, em fevereiro. Como resultado daquela operação, a Whirlpool assinou, na semana passada, um acordo para se livrar do processo no Cade e pagou R$ 100 milhões. Scott Hammond, promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e principal autoridade daquele país no combate aos cartéis também estará presente.

A assinatura faz parte do Dia Nacional de Combate aos Cartéis, comemorado hoje. O Ministério da Justiça preparou outras medidas para a data. Haverá campanha de conscientização nos aeroportos frequentados por empresários. O Ministério da Educação vai distribuir revistas da Turma da Monica com histórias de cartéis, para que os empresários envolvidos em ilícitos se sintam envergonhados diante de seus filhos em casa. E, além disso, a SDE vai mandar cartões postais para 500 empresários alertando para os riscos de participar de cartéis. Os postais têm a foto de empresários com lama em seus ternos. "A empresa que faz cartel acaba se sujando", diz a mensagem. Imprimir Compartilhar| Brasil: