Título: Sem consenso, PEC dos Cartórios é adiada
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2009, Política, p. A8

O receio de desgaste à Câmara dos Deputados e as dúvidas com relação à constitucionalidade e ao universo dos beneficiados pela proposta de emenda constitucional que concede titularidade aos substitutos ou responsáveis pelos serviços notariais e de registros até 20 de novembro de 1994 - a polêmica PEC dos Cartórios - levaram o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), e os líderes dos partidos a adiarem sua votação, sem marcarem nova data.

Há muita divergência entre os parlamentares com relação à PEC. Os defensores, como o deputado João Matos (PMDB-SC), relator do texto levado ao plenário, argumentam que o objetivo é regularizar a situação do notário e do tabelião que exerceram a função no período entre a promulgação da Constituição de 1988 - que passou a exigir aprovação em concurso público para o cargo - até a regulamentação da matéria (20 de novembro de 1994).

Mas o texto dá margem a diferentes interpretações. A PEC determina que "fica outorgada a delegação da titularidade dos serviços notariais e de registro àqueles designados substitutos ou responsáveis pelas respectivas funções até 20 de novembro de 1994 e que, na forma da lei, encontrarem-se respondendo pela serventia há no mínimo cinco anos ininterruptos imediatamente anteriores à data de promulgação desta Emenda Constitucional".

Miro Teixeira (PDT-RJ) - que na Assembleia Nacional Constituinte foi relator do parecer que incluiu na Constituição (artigo 236) a exigência de concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro - afirma que a discussão tem que ser feita do ponto de vista constitucional. "Temos uma ordem constitucional e devemos cumprir. A ordem constitucional é fazer concurso. A Constituição não pode ser flutuante, ao sabor das conveniências", afirma

Para José Genoino (PT-SP), o texto abre brecha para beneficiar os "donos de cartórios" que entraram em 2004, por citar cinco anos antes da promulgação da PEC (se fosse aprovada em 2009). Ele apresentou voto em separado limitando a titularidade àqueles efetivados pelos Tribunais de Justiça entre a Constituição de 88 e a Lei 8.935, de 94, que regularizou a realização do concurso. Para ele, houve "omissão" dos tribunais de Justiça, por não realizarem concurso logo após a Constituição.

Para o líder do PPS, Fernando Coruja (SC) - cujo partido fechou questão contra a PEC -, o maior problema é a concessão de titularidade também aos substitutos. Na sua opinião, a PEC "ainda teria um grau de razoabilidade" se fosse restrita aos titulares. Coruja foi um dos opositores da PEC na reunião com Temer.

O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), inicialmente favorável, afirma que o texto não permite calcular quantas pessoas serão atendidas. "Não temos como votar com essa abrangência", disse. Na reunião com os líderes, Temer disse que, se a PEC fosse aprovada, um questionamento jurídico causaria desgaste à Câmara.

Segundo a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (Andecc), serão mais de 4 mil donos de cartórios sem concurso beneficiados. A entidade, que tem feito forte pressão sobre os deputados - assim como os representantes dos responsáveis - diz que os tribunais de Justiça suspenderam a realização dos concursos à espera da aprovação da PEC.

Apesar do forte lobby dos responsáveis por cartórios, a votação já havia sido adiada por duas vezes, nas duas semanas anteriores, por iniciativa dos próprios defensores da medida. Temiam que a medida fosse rejeitada no plenário, diante da forte resistência. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou que a PEC é uma "gambiarra jurídica". O ministro Gilson Dipp, corregedor nacional de Justiça, alerta para a possibilidade de ações na Justiça com pedido de reintegração e indenização de quem foi afastado para dar lugar a concursados.