Título: Crédito imobiliário decola, mas juro tem pouco espaço para cair
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2009, Finanças, p. C1

O financiamento imobiliário promete ser o motor do crescimento das carteiras de crédito em 2010 e a competição entre os bancos pelos melhores empreendimentos e clientes já voltou ao nível pré-crise. De outro lado, os recursos da poupança, principal fonte de captação do financiamento para imóveis, nunca foram tão abundantes. Apesar de o cenário sugerir exatamente o contrário, não há uma boa notícias para os clientes dos bancos: as taxas de juros cobradas nos financiamentos não devem cair muito mais.

Alguns bancos já cobram de seus clientes pessoa física 7,8% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR). Essa é a menor taxa encontrada no mercado. O piso atual no financiamento às incorporadoras está em 10% ao ano mais TR. Abaixo desse patamar, no entanto, dizem as instituições financeiras, é impossível trabalhar. O argumento dos bancos é que o "spread" (diferencial entre a taxa de captação do banco e aquela cobrada do cliente) ficaria muito pequeno, não cobriria os custos e as carteiras de crédito imobiliário deixariam de dar lucro.

Os bancos culpam a taxa de remuneração da poupança, fixada em 6,17% ao ano mais TR, pela impossibilidade de se reduzir o custo ao tomador. Esse piso cria uma distorção no sistema e impede que a concorrência entre os bancos, que voltou a se acirrar no segundo semestre traga para baixo os juros bancários.

O Bradesco, por exemplo, tem cerca de R$ 4,5 bilhões em recursos já contratados com as construtoras para liberar nos próximos 24 meses. "Esperamos crescer entre 20% e 25% no próximo ano, entre crédito a pessoa física e empresas", diz o diretor do Bradesco, Nilton Pelegrino Nogueira.

O banco reduziu recentemente o juro dos financiamentos à pessoa física de até R$ 120 mil, de 8% para 7,8% ao ano mais TR. "Mas o piso da poupança impede novas reduções. Já estamos no limite, senão o "spread" fica negativo", diz o diretor do Bradesco. A Caixa Econômica Federal (CEF), instituição mais agressiva em financiamentos com repasse da poupança, opera com taxa de 7,9%¨em sua linha mais barata.

A mudança do cenário já levou a Abecip, entidade que representa os bancos que usam a poupança como fonte de captação, a elevar suas previsões para este ano. A expectativa é que a caderneta seja responsável por quase R$ 32 bilhões em financiamentos, acima do volume liberado no ano passado, R$ 30 bilhões. Desse total, o mercado estima que cerca de 45% seja direcionado para a construção e 55% para compra de imóveis.

A incorporadora PDG Realty, que captou quase R$ 800 milhões em recente oferta de ações, diz estar confortável para aplicar esses recursos em expansão dos negócios, pois a necessidade de capital de giro tem sido bem atendida pelos bancos, segundo o diretor da empresa, Frederico Carneiro da Cunha.

Ele conta que as taxas pagas pela empresa, que andaram acima de 12% mais TR durante a crise, voltaram agora para a casa dos 10% mais TR. Mas o diretor da PDG não acredita que esse deva ser o piso ainda. Seu raciocínio é que a taxa básica da economia, a Selic, recuou cinco pontos percentuais no ano, para 8,75%, enquanto os juros bancários não acompanharam.

Apesar de se esbarrar no obstáculo da taxa da poupança, o executivo acha que há espaço para que o juro cobrado das incorporadoras caia para cerca de 9% ao ano por conta do grande fluxo de recursos que tem migrado para a poupança. "A dinâmica do mercado deve levar a taxas mais baixas. Quanto mais poupança, mais concorrência. Os bancos terão de aplicar cada vez mais recursos e essa competição deve reduzir as taxas." Ele lembra que, antes da crise, a grande oferta de linhas fez com que alguns bancos cobrassem 9% mais TR.

Além disso, o mercado de capitais começa a se mostrar de fato uma alternativa para o financiamento das construtoras e incorporadoras. A PDG Realty concluiu em agosto a emissão de um Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) de R$ 45 milhões a taxa de 110% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário), algo na casa dos 10% ao ano. Por ser uma operação com isenção de imposto de renda para os investidores pessoa físicas, o juro fica atraente tanto para a empresa quanto para o comprador do título, diz Frederico, o equivalente a 135% do CDI. Outra opção são as debêntures compradas pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo, que giram em torno de 8% mais TR.

Mas nem mesmo a enxurrada de recursos que tem entrado na poupança deve ser suficiente para derrubar as taxas de juros. Nos últimos cinco meses, a captação líquida da poupança - aplicações menos retirada - foi de R$ 13,2 bilhões, praticamente o mesmo valor de todo o ano passado (R$ 13,8 bilhões).

A continuar nesse ritmo, os bancos terão mais dinheiro do que empreendimentos ou pessoas para financiar, já que são obrigados a direcionar 65% do que captam na caderneta para o setor imobiliário. Executivos de bancos ouvidos dizem que, de fato, essa possibilidade já os preocupa. Mas a avaliação das instituições financeiras é que, se a coisa apertar, o governo deverá mexer nas regras da poupança.

Em recente entrevista ao Valor, o presidente da Abecip, Luiz França, avaliou que ainda não está havendo migração maciça de recursos de outros instrumentos de investimento para a poupança. Mas se a captação continuar avançando, França acredita que o governo vai agir. "Se houver migração, o governo disse que tomará alguma medida. Se houver fluxo muito grande para a poupança, faltarão recursos para investimentos de outras indústrias e não haverá imóveis suficientes para se financiar, criando um empoçamento."

Para o diretor-executivo do Santander, José Roberto Machado, de fato a poupança cresceu mais fortemente desde que a taxa de juros da economia se consolidou num patamar mais baixo. Mas dado o comportamento da poupança, é difícil dizer se isso irá se manter.

"A poupança tem vida própria. Quando a Selic era de 20% ao ano, a captação também crescia. A correlação com a taxa de juro da economia em alguns momentos chega a ser enigmática e uma extrapolação dos últimos noventa dias é complexo", diz.

Ele pondera que, um ano atrás, a discussão era no sentido contrário. Ou seja, a produção crescia mais rápido que a poupança. Agora houve uma inversão e a captação cresce mais rapidamente. "Se houver uma enxurrada, o governo de fato teria que tomar atitude. Ou tributar, ou criar um modelo de remuneração mais atrelado aos juros da economia", afirma Machado, que não acredita que o crescimento trará problemas de enquadramento para as instituições financeiras.

Ainda de acordo com Machado, é preciso levar em conta que os juros no mercado futuro já indicam uma nova elevação da Selic nos próximos meses e que isso pode fazer com que a discussão sobre a remuneração da poupança seja adiada mais uma vez.