Título: Pé no freio contra invasão gringa
Autor: Gonçalves, Marcone; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 15/06/2010, Brasil, p. 10

Pacote de medidas do governo pretende controlar, de maneira mais eficaz, a aquisição de áreas no país por companhias com capital externo. Primeira decisão é a mudança do parecer da AGU que dispensava a obrigatoriedade da licença do Incra

O governo federal pretende apertar o cerco à compra descontrolada de terras em todo o país por empresas e pessoas físicas estrangeiras. A primeira medida já está pronta para ser assinada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva: a mudança do parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que havia dispensado empresas brasileiras controladas por estrangeiros da obrigatoriedade de licença do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para aquisição de fazendas.

Além disso, o Executivo tentará remeter ao Congresso Nacional, ainda este ano, um projeto de lei que consolida a legislação que trata do tema, que se transformou em um emaranhando confuso de ser entendido e aplicado pela Justiça. O objetivo é impedir manobras legais e fazer valer as regras impostas, quase todas elas, durante o regime militar. Por trás da iniciativa do governo está a preocupação com a integridade do território, que virou objeto de cobiça de grandes corporações chinesas, americanas e europeias que atuam com a produção de alimentos.

Em uma série de reportagens, o Correio vem revelando a situação de descontrole fundiário no Brasil. Na raiz do problema está a falta de controle e de informações mínimas sobre as operações de compra e venda de terras, situação agravada pela interpretação que os órgãos do próprio governo faz da legislação agrária. O caso do parecer da Advocacia Geral é emblemático. Uma vez que uma emenda constitucional estabeleceu que empresas sob controle de estrangeiros seriam consideradas brasileiras, a AGU informou ao Incra que não seria mais necessária a autorização para que essas companhias adquirissem terras.

O entendimento da AGU, que deve ser derrubado nas próximas semanas, fez com que os cartórios de registro de imóveis deixassem de controlar tais propriedades, o que facilitou a compra de terras por estrangeiros, que ficaram escondidos como pessoas jurídicas ¿brasileiras¿. Eles também foram favorecidos pelo fato de, na maior parte do território nacional, o Judiciário sequer dispor de pessoal capacitado para fazer os registros legais. Além disso, nem mesmo as prefeituras sabem a extensão das propriedades rurais, o que torna quase impossível, na maioria dos estados, limitar a compra de fazendas por estrangeiros a, no máximo, um quarto do território municipal.

Outra determinação difícil de cumprir é a exigência de autorização do Incra para a compra, por pessoas estrangeiras em todo o território, de terras de tamanho superior a três e inferior a 50 Módulos de Exploração Indefinida (MEI). O tamanho desses módulos varia de acordo com cada microrregião definida pelo IBGE.

¿Hoje é impossível saber se um estrangeiro, que acaba de comprar uma fazenda em Santa Maria (RS), tem propriedade rural em Altamira (PA)¿, exemplificou o juiz Marcelo Berthe, coordenador do Fórum Nacional Fundiário, que reúne órgãos dos governos federal e estaduais, além do Judiciário. A saída para o problema do descontrole, de acordo com o magistrado, começou a ser implementada ontem, com a assinatura de um acordo entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Conselho Nacional de Justiça para a modernização dos cartórios da região Norte, que concentra cerca de 40% do território nacional e a maior parte dos problemas fundiários do país.

Por meio do convênio, o MDA vai colocar à disposição do Judiciário R$ 10 milhões a serem investidos em sistemas e equipamentos que padronizem os procedimentos de registros de imóveis e permitam a criação de um banco de escrituras das propriedades da região. Dentro de dois anos, essas informações estarão interligadas com os cartórios dos demais estados. Isso permitirá a qualquer juiz penhorar imóveis, e ao governo, controlar, finalmente, a entrada de estrangeiros no campo. ¿Com o sistema, saberemos onde estão, quais são e qual a área que os estrangeiros ocupam. Toda vez que uma compra ultrapassar os limites legais, o juiz poderá cancelar o registro, além de instaurar o procedimento visando a regularização¿, explicou.

A parceria vai proporcionar treinamento para funcionários e juízes e financiar a restauração e digitalização de documentos danificados. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, aponta a modernização dos cartórios como fundamental para que o país exerça um controle efetivo sobre a venda de terras na Amazônia para estrangeiros.