Título: Os mitos do protecionismo
Autor: Rodrik , Dani
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2009, Opinião, p. A15

Houve um cachorro que não latiu durante a crise financeira: o protecionismo. Apesar do grande alvoroço, os governos impuseram poucas barreiras comerciais às importações. Na verdade, a economia mundial continua tão aberta como estava antes da crise.

O protecionismo costuma prosperar em tempos de riscos econômicos. Confrontados com declínio econômico e aumento no desemprego, os governos têm inclinação muito maior a prestar atenção aos grupos de pressão domésticos do que a suas obrigações internacionais.

Como John Maynard Keynes admitiu, as restrições comerciais podem proteger ou gerar emprego durante recessões econômicas. O que pode ser desejável para um país sob condições extremas, no entanto, também pode ser altamente nocivo para a economia mundial. Quando todos elevam barreiras comerciais, o volume de comércio desmorona. Ninguém ganha. É por isso que os desastres da política comercial dos anos 30 agravaram fortemente a Grande Depressão.

Muitos reclamam que algo similar, embora em menor escala, está ocorrendo hoje. Uma organização chamada Global Trade Alert (GTA) está na dianteira, disparando o alarme sobre o que chama de "uma força protecionista destruidora". O informe mais recente do GTA identifica nada menos do que 192 ações protecionistas tomadas desde novembro de 2008, com a China como o alvo mais comum. O número foi amplamente divulgado na imprensa financeira. A julgar pelo "valor de face", parece sugerir que os governos teriam abandonado seus compromissos com a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o regime comercial multilateral.

Olhando de perto, vê-se pouco motivo para alarme. A maioria dessas 192 medidas não passam de uma chateação, geralmente consequências indiretas (e muitas vezes involuntárias) dos pacotes de resgate que os governos prepararam como resultado da crise. O setor afetado com mais frequência é o financeiro.

Além disso, não se sabe se esses números são atipicamente altos em comparação a antes da crise. O relatório do GTA nos mostra quantas medidas foram impostas desde novembro de 2008, mas não diz nada sobre números análogos anteriores a esse período. Na ausência de um referencial para uma avaliação comparativa, não sabemos realmente se as 192 medidas "protecionistas" são um número grande ou pequeno.

E quanto às recentes tarifas impostas pelos Estados Unidos aos pneus chineses? A decisão do presidente Barack Obama de introduzir taxas pesadas (de 35% no primeiro ano) em resposta a uma determinação (a pedido de sindicatos americanos) da Comissão de Comércio Internacional (ITC, na sigla em inglês), órgão dos EUA, foi criticada por alimentar o incêndio protecionista.

É fácil, no entanto, exagerar o significado desse caso. A tarifa é totalmente consistente com um arranjo especial negociado na época da entrada da China na OMC, que permite aos EUA valerem-se de proteções temporárias quando seus mercados são "desestabilizados" por exportações chinesas. As tarifas que Obama impôs são mais baixas do que as recomendadas pela ITC. E, de qualquer forma, a medida afeta menos do que 0,3% das exportações chinesas aos EUA.

A realidade é que o regime de comércio internacional passou com mérito pelo seu maior teste desde a Grande Depressão. Economistas especializados em comércio que reclamam por casos menores de protecionismo soam como crianças choramingando por um brinquedo quebrado na esteira de um terremoto que matou milhares.

Há três fatores que explicam essa notável resistência: ideias, política e instituições.

Os economistas foram extraordinariamente bem-sucedidos em transmitir seu recado para as autoridades - mesmo com as pessoas comuns ainda vendo as importações com suspeita considerável. Nada reflete isso melhor do que o fato de "proteção" e "protecionistas" terem virado termos de escárnio. Apesar de tudo, espera-se, em geral, que os governos deem proteção a seus cidadãos. Porém, se você disser ser favorável à proteção contra as importações, você será jogado em um canto ao lado de Reed Smoot e Willis C. Hawley, autores da infame lei de tarifas americana de 1930.

As ideias dos economistas, no entanto, não teriam ido muito longe se não tivessem ocorrido mudanças significativas na configuração básica dos interesses políticos favoráveis ao livre comércio. Para cada trabalhador e empresa afetados adversamente pela concorrência das importações, há um ou mais trabalhadores e empresas esperando colher os benefícios do acesso a mercados no exterior.

Esse último grupo tornou-se cada vez mais poderoso e reivindicador, muitas vezes representado pelo grande número de empresas multinacionais. Em seu livro mais recente, Paul Blustein conta como um ex-ministro do Comércio indiano pediu certa vez que lhe trouxessem a foto de um agricultor dos EUA. "Na verdade, nunca vi um", ironizou o ministro. "Apenas vi conglomerados dos EUA disfarçados de agricultores."

No fim das contas, a relativa docilidade do trabalhador comum em questões comerciais precisa ser atribuída a outro fator: a rede de segurança montada pelo estado de bem-estar social. As sociedades modernas industriais agora possuem uma vasta rede de proteção social - seguro-desemprego, assistência para recolocação e outras ferramentas para o mercado de trabalho, como seguro-saúde e apoio à família - que suavizam a demanda por formas mais duras de proteção.

O Estado de bem-estar social é o outro lado da moeda das economias abertas. Se o mundo não se dirigiu ao precipício protecionista durante a crise, como o fez nos anos 30, grande parte do crédito precisa ir para os programas sociais que os conservadores e fundamentalistas de mercado gostariam de ver apagados do mapa.

A luta contra as proteções comerciais foi vencida - até agora. Antes de relaxarmos, contudo, lembremos que ainda não resolvemos o desafio central que a economia mundial enfrentará quando a crise perder força: o choque inevitável entre a necessidade da China de produzir um volume cada vez maior de bens industrializados e a necessidade dos EUA de manter um déficit menor em conta corrente. Infelizmente, há poucos sinais de que as autoridades já estejam preparadas para enfrentar essa verdadeira ameaça.

Dani Rodrik é professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council. Seu livro mais recente é "One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth" ("Uma economia, várias receitas: globalização, instituições e crescimento econômico", em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2009. www.project-syndicate.org