Título: Educação ainda é maior desafio do programa
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2009, Especial, p. A16

287 x 39. Uma conta simples, facilmente resolvida por uma criança do 5º ano (4ª série) do ensino fundamental de um bom colégio urbano. Apresentada a um aluno da 7ª série de uma escola rural de Poço Redondo, Semiárido de Sergipe, revelou-se um problema insolúvel, permanecendo assim mesmo com a ajuda da irmã, estudante do 1º ano do ensino médio.

Há pequenos avanços, mas a combinação de escolas deficientes com a dificuldade de aprendizado dos alunos mais carentes mantém o problema educacional um dos maiores desafios para elevar o nível de vida das regiões mais pobres do Brasil. Rosângela Leandro do Nascimento, vice-diretora de uma unidade bem aparelhada para os padrões regionais, a Escola Municipal Jovino de Carvalho (só ensino fundamental e educação noturna de jovens e adultos), no povoado de Riacho (Paulo Afonso, Bahia), admite que contas de multiplicar com algarismos maiores que 5 são muito difíceis para seus alunos.

Há quatro anos, a então diretora da mesma escola Jovino de Carvalho, Deunilzair das Neves Lima, hoje afastada por problemas de saúde, apresentou à reportagem do Valor números desalentadores apurados nas últimas provas aplicadas. O aproveitamento médio fora de 50%, caindo para 30% entre os inscritos no Bolsa Família.

Quando comparados com aqueles números, o aproveitamento do ano de 2008 revela algum progresso. Segundo dados fornecidos pela secretaria da escola, o índice de aprovação do ano passado dos alunos da 1ª à 8ª série que não abandonaram os estudos foi de 66%, caindo para 61% entre os beneficiários do Bolsa Família, cerca de 300 entre os 520 matriculados.

A escola Jovino de Carvalho fica a 20 quilômetros da sede de um dos mais desenvolvidos municípios do Semiárido nordestino (Paulo Afonso, sede de quatro grandes usinas hidrelétricas, 14º IDH entre os 415 municípios baianos). Limpa, bem conservada, com biblioteca diversificada, instalações para as crianças escovarem os dentes, estoque de merenda escolar farto e variado, dois computadores novos para uso dos alunos (oferta de uma ONG) e internet sem fio instalada pela prefeitura.

Faltam, porém, salas de aula. Por causa disso, o laboratório de ciências, que tem equipamentos, está desativado, desalojado pela secretaria da escola que, por sua vez, cedeu seu espaço para uma sala de aula. A vice-diretora disse que, apesar dos avanços "de 2005 para cá", ainda há muita dificuldade de aprendizado e muito desinteresse.

"Muitos alunos só vêm para garantir a presença para o Bolsa Família (o programa exige frequência mínima à escola)", lamenta. E a carência de salas obriga a escola a uma prática comum na região, e que dificulta mais ainda o aprendizado: juntar mais de uma série na mesma turma. Em Panelas, município de Fátima, Bahia, a solução para abrigar os alunos da 3ª série foi dividi-los por aproveitamento: os mais adiantados ficam com a 4ª série e os mais atrasados, com a 2ª.

Em São José da Tapera, Alagoas, uma confusão na passagem de oito para nove anos do ensino fundamental obrigou pelo menos 13 escolas rurais (o município tem 41 escolas no total) a pular o 2º ano que seria a antiga 1ª série.

Segundo a professora Flávia Santos Fontes, uma das três coordenadoras da Secretaria de Educação municipal, no processo de transformação de série para ano, os alunos do que seria o 1º ano em 2008 (antiga alfabetização) foram passados para o 2º ano em agosto e para o 3º no fim do ano. Dessa forma, as escolas que passaram de um sistema para o outro ficaram sem 2ª série este ano.

A coordenadora disse que, como o Ministério da Educação (MEC) não aceitou que os alunos fossem retidos no 2º ano, eles tiveram que passar de ano mesmo sem estar preparados. Segundo ela, só a forte repetência esperada para este ano nas turmas afetadas vai corrigir o problema, evitando que as escolas não tenham 3º ano em 2010.

A secretária nacional de Educação Básica do MEC, Maria Pilar Lacerda, disse que, a partir da demanda da reportagem, consultou a Secretaria de Educação do município alagoano e constatou que, efetivamente, está havendo problema na implantação do ensino fundamental de nove anos. Ela avalia que houve um erro de interpretação e o MEC vai enviar um técnico para ajudar na reorganização da sequência curricular nas escolas afetadas. A proposta a ser apresentada será a da aplicação da chamada provinha aos alunos de 7 e 8 anos para, dessa forma, saber quem está no 2º ou no 3º ano. A secretária disse ainda que o caso de São José da Tapera é preocupante, mas que, no geral, a mudança está sendo feita sem problemas.

A repetência e a forte evasão de alunos são problemas graves na escola Professora Laurentina Ignez de Castro (alfabetização à 8ª série) em Campinas do Castro, Cícero Dantas (BA), apesar dos esforços da equipe de professores dirigida pela professora Marta Vasconcela Pires da Silva. Em 2008 a escola teve 37% de reprovação e 23% de abandono, uma queda dramática nas aprovações que dois anos antes foram de 73,7%.

A evasão de 2008, segundo a diretora, foi de alunos da 5ª à 8ª séries, a maioria para acompanhar os pais que foram trabalhar como boias-frias em outros Estados. "Eles [os pais] não gostam de trabalhar na roça. Deixam de investir aqui para ir para fora e voltar com uma moto, uma coisa. Não sei se é bom", reflete. Marta disse que ela e sua equipe estão fazendo um trabalho de conscientização dos pais para a necessidade de investir nos estudos dos filhos, independentemente da obrigatoriedade imposta pelo Bolsa Família. Além disso, a equipe de 21 professores está dando duas horas extras por semana em aulas de reforço na tentativa de reverter o quadro negativo do aproveitamento dos alunos.

Apesar das dificuldades na educação, ela é considerada a grande janela de perspectiva até pelo pessimista prefeito de Poço Redondo, o franciscano frei Enoque Salvador de Melo (PSB). Crítico do Bolsa Família, que considera só assistencialismo, e dos assentamentos de sem-terra, que considera embriões de "favelas rurais", ele avalia que a farta disponibilidade de recursos para a educação "se bem direcionada" pode abrir espaço para que o município que ele dirige pela terceira vez possa começar a superar os péssimos indicadores socioeconômicos que ostenta.

Poço Redondo recebe R$ 800 mil por mês para a educação. Em um ano (R$ 9,8 milhões), o valor é mais que o dobro da cota municipal no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para 2009. Do total, 60% vão para salários e aperfeiçoamento de professores. Por causa do piso salarial do magistério, de R$ 950, o prefeito conta que na cidade já surgiu uma espécie de nova "profissão" - a do quincas, o marido de professora.