Título: Banca suíça ataca Brasil por evasão fiscal
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2009, Finanças, p. C8

Bancos de Genebra acusam o Brasil de "falta de transparência fiscal" que, segundo eles, favoreceria a evasão de impostos, justamente quando vários clientes brasileiros e outros sul-americanos repatriam capitais para seus países de origem e os lucros dos bancos internacionais na gestão de fortuna declinam.

Do total de US$ 6,7 trilhões de fortunas "offshore" (fora dos países de origem), a Suíça faz a gestão de 28%, o maior percentual no mundo. Mas a crise financeira e o golpe sofrido pelo segredo bancário complicam as perspectivas desse negócio dos bancos helvéticos.

O total de fortunas sob gestão pelos bancos em Genebra não recuperou nem a metade do que havia perdido com a queda de 50% nas bolsas de valores entre o verão europeu de 2008 e o começo de 2009. A isso se soma o medo de investidores de ativos arriscados, que é onde os gestores de fortuna obtêm margem mais alta.

Com isso, os lucros obtidos com a gestão de patrimonio baixaram 50% entre 2007 e 2009, segundo a entidade. Para os bancos de Genebra, um dos desastres deste ano foi a "chantagem" do G-20, o grupo dos principais países industrializados e emergentes, em matéria de flexibilização do sigilo bancário.

A Suíça teve de negociar este ano 12 acordos de troca de informações fiscais, para sair da "lista cinzenta" de paraísos fiscais elaborada pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e evitar sanções internacionais.

Desde então, o país sofreu a pressão dos grandes países europeus e dos Estados Unidos. Washington arrancou do principal banco suíço, o UBS, uma lista de 4,45 mil nomes de titulares de contas suspeitos de fraude fiscal nos EUA, causando o maior golpe no segredo bancário.

Em entrevista ao Valor, o banqueiro Ivan Pictet, presidente da Praça Financeira de Genebra, disse que "não dá para esconder a face: as garantias oferecidas em matéria fiscal pelo sigilo bancário suíço não são mais as mesmas que antes". A distinção entre evasão e fraude fiscal, dos quais somente o segundo era considerado um delito, praticamente implodiu.

Uma pesquisa da entidade "Praça Financeira de Genebra", que representa as instituições do setor, revelou ontem que um terço de clientes latino-americanos dos principais bancos considera que as condições se degradaram e a Suíça perdeu a atratividade para eles.

De outro lado, os grandes estabelecimentos helvéticos estão na defensiva e "desencorajam fortemente" viagens de seus funcionários em busca de clientes na América do Sul, Estados Unidos e Europa, depois de ameaças de prisões por atividades julgadas suspeitas.

Foi esse o cenário em que Pictet, proprietário de um dos mais antigos bancos de gestão de fortunas na Suíça, passou ao ataque contra o Brasil e outros emergentes.

"Ficamos surpresos ao ver que a lista da OCDE não tinha países protegidos pelos Estados Unidos, como Israel, e mesmo o Brasil ou Hong Kong, protegida pela China, além da Índia. Todos escaparam da ameaça de sanções", disse o banqueiro.

Indagado por que o Brasil deveria ter sido incluído na lista da OCDE, Pictet respondeu: "A transparência fiscal no Brasil não acompanha o padrão internacional. É bizarro que a Suiça implemente as regras internacionais mais do que esses países, tenha legislação muito mais transparente que esses países que não respeitam as regras fiscais e eles ficaram de fora da lista."

A OCDE tem convidado com insistência o Brasil a aderir ao seu Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações, que se torna o mecanismo central para desmantelar a evasão fiscal e os centros financeiros ditos de zona cinzenta, por onde passam centenas de bilhões de dólares que deveriam ir para os cofres públicos. Mas há resistências dentro do governo.

Para Ivan Pictet, o que está havendo "não envolve questão moral, mas uma luta comercial entre praças financeiras". E complementa : "Os americanos, os ingleses e os suíços estão com a faca na mão."

O banqueiro rejeita o argumento de que seu ataque é causado pela diminuição da clientela brasileira. "Os latino-americanos colocam sua fortuna offshore sobretudo nos EUA, em Miami", disse, observando que os Estados Unidos pressionam outras praças financeiras ao mesmo tempo em que preservam seus próprios paraísos fiscais.

Já o diretor-geral do banco americano JP Morgan na Suíça, Benoit Dumont, avalia que a clientela brasileira e sul-americana está repatriando capital. Estou há 15 anos nesse negócio em Genebra e toda vez que a situação econômica melhora na América do Sul muitos clientes levam o dinheiro de volta. Não tem nada de novo. Lá eles ganham mais", disse ele ao Valor.

A Praça Financeira de Genebra representa 143 bancos, 626 seguradoras, 734 gestores de fortuna independentes, 2,7 mil intermediários financeiros e 407 escritórios de advocacia.