Título: Brasil perde para Ásia liderança no mercado argentino de calçados
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2009, Brasil, p. A3

A aplicação de barreiras comerciais fez o Brasil perder a liderança histórica que detinha no mercado argentino de calçados importados. Os fornecedores asiáticos, principalmente a China, derrubaram os fabricantes brasileiros para a segunda posição e conquistaram 51,4% das importações feitas pela Argentina de janeiro a agosto.

A Abicalçados, associação que reúne as indústrias do setor, cobra uma reação mais dura do governo e diz que persiste a demora das autoridades argentinas em fazer liberações aduaneiras. Um acordo entre os dois sócios do Mercosul estabelece teto de 15 milhões de pares de exportações brasileiras ao país vizinho em 2009, mas nem esse limite está sendo respeitado, segundo Heitor Klein, diretor-executivo da Abicalçados. "Mesmo em um ano de crise, temos potencial para vender 30 milhões de pares. Até setembro, não chegamos nem à metade disso."

Nos oito primeiros meses do ano, os fornecedores brasileiros viram sua participação no mercado argentino encolher para 44,5% (em volume), de acordo com a IES, consultoria de Buenos Aires especializada em estudos setoriais. O recuo impressiona quando comparado à fatia obtida em período semelhante de 2007 e de 2008, que foi de 56% e de 49%, respectivamente. Em apenas dois anos, deu-se uma reviravolta completa: o Brasil perdeu 12 pontos percentuais no mercado local e a Ásia ganhou praticamente 14 pontos.

Para um auxiliar direto do presidente Lula, os dados trazem "uma evidência clara" de que está havendo desvio de comércio em prejuízo dos calçadistas brasileiros. Esse assessor não acredita que o ambiente vá melhorar com a volta do crescimento econômico à região e desconfia das promessas argentinas de cumprimento das normas. Ele lembra que, uma semana após a reunião em setembro entre o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e a ministra de Produção da Argentina, Débora Giorgi, o país vizinho abriu uma nova investigação antidumping contra o Brasil.

O auxiliar de Lula defende que o governo responda com a mesma moeda e imponha licenças não automáticas às exportações argentinas de produtos como vinhos e laticínios. A resistência do Itamaraty a essa proposta, no entanto, não deve esmorecer: o novo embaixador do Brasil em Buenos Aires, Ênio Cordeiro, deve assumir nos próximos meses e qualquer insinuação de "batalha comercial" iria na contramão dos esforços para criar um bom ambiente de trabalho, na chegada do diplomata, junto às autoridades locais.

"Desde 1999 o governo da Argentina tem sido sensível às demandas da indústria e estabelece uma cortina de proteção aos fabricantes de Buenos Aires, Córdoba e Rosário. O governo brasileiro, por outros interesses de caráter estratégico, vem admitindo esse fato e pede que aceitemos essa situação", protesta Klein. O executivo da Abicalçados garante que as licenças não automáticas aplicadas pela Argentina aos calçados brasileiros ainda estão saindo em prazo superior aos 60 dias permitidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). "Na média, são 90 dias. Mas já tivemos casos de até 240 dias de demora."

A associação avalia que as barreiras comerciais têm sido a principal, mas não a única, causa da perda de mercado: a valorização do real e a operação de pelo menos três fábricas brasileiras na Argentina - Alpargatas, Vulcabrás/Azaléia e Paquetá - reforçaram esse movimento, na medida em que essas empresas trocaram parte das importações por produção local. "Esse volume, porém, é bem inferior à restrição que estamos sofrendo."

O economista Alejandro Ovando, diretor-geral da IES, diz que as travas impostas às importações de calçados afetaram "fundamentalmente" o Brasil e tiveram "escasso impacto" sobre os sapatos, tênis e sandálias de origem asiática. "Os números não mentem", diz Ovando. Segundo o especialista, o preço médio está ficando mais próximo: o valor dos calçados brasileiros caiu de US$ 14,9 para US$ 14 cada par importado, enquanto o valor dos chineses subiu de US$ 11,6 para US$ 12,3 - o que pelo menos deixa em dúvida a suposição de que, em meio à crise econômica, os argentinos estariam optando por produtos muito mais baratos.

No total, o mercado argentino reduziu em 18% o valor de suas importações de calçados, na comparação com os oito primeiros meses de 2008. Enquanto as compras oriundas do Brasil diminuíram 26%, a queda foi bem mais amena para a China (12%) e para a Indonésia (16%). Mesmo com a crise, Vietnã e Índia aumentaram suas exportações de calçados à Argentina em 9% e 86%, respectivamente, embora não tenham vendido mais do que 1,2 milhão de pares. Além desses países, Tailândia e Taiwan também detêm uma pequena participação no mercado local.