Título: Saber pescar é preciso
Autor: Carlos Alberto Chiarelli
Fonte: Correio Braziliense, 15/06/2010, Opinião, p. 23

Ex-ministro da Educação, doutor em direito e presidente da Associação da Cadeia Produtiva de Educação a Distância (Aced)

A Lei de Cotas (8213/1991), que estabelece a obrigatoriedade de as empresas acolherem uma porcentagem de empregos, como cota para pessoas com deficiência em relação ao total de empregados, não consegue alcançar plenamente seus objetivos.

Tal legislação foi um avanço, mas é insuficiente. Basta analisar a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2008, onde se vê que existem 232,2 mil empregos ocupados por portadores de necessidades especiais no mercado formal. Isso representava apenas 1% do total de empregos desse mercado que, somados os números da informalidade, atingia 39,4 milhões por ocasião do levantamento estatístico.

Comparando-se com os números do último Censo (2000) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando, no Brasil, havia 26 milhões de pessoas com deficiência (ou seja, 14,5% da atual população), vê-se a desproporção entre as limitadas vagas ocupadas e o enorme número de pessoas (PeDs) aspirando e necessitando preenchê-las.

Não é preciso ser um expert no assunto para identificar o motivo. Hoje, no Brasil, há falta de estímulo oficial para as empresas treinarem esse tipo de mão de obra, faltando, por decorrência, pessoas portadoras de necessidades especiais suficientemente qualificadas para ocupar os postos, que, previamente, lhes são legalmente reservados (e não aproveitados).

Basta analisar alguns dados para dimensionar o que entrava a Lei de Cotas. Segundo o IBGE, do total de portadores de necessidades especiais com mais de cinco anos de idade, 71,91% são alfabetizados. Apesar da porcentagem relativamente alta, o número absoluto de pessoas deficientes, carentes de ensino, é dramaticamente significativo: 7 milhões de portadores de necessidades especiais são analfabetos em nosso país.

As atuais políticas públicas são insuficientes para resolver a situação. Fica-se em um ciclo vicioso no qual não há pessoas preparadas para ocupar o cargo nem incentivos para que os próprios empresários respondam pela qualificação. Da mesma forma que o governo não atua, como devia, não oferecendo (danosa omissão) cursos adequados para essa parcela da população.

Consequentemente, não adianta reservar vagas se não há pessoas preparadas para preenchê-las. Não adianta haver peixes se não se ensina (e equipa) a pescar. Para que se possa superar a fronteira entre a mera boa vontade, o voluntarismo e o simples propósito altruísta e, sem deixá-los de lado, somar atitudes, oferecendo operacionalidade e eficiência, que signifiquem resultados, impõe-se usar Educação a Distância (EAD). Maneira contemporânea e tecnológica para assegurar valiosos resultados qualitativos e quantitativos. A EAD é uma resposta moderna e habilitada ante tal desafio.

Restrições impostas pela dificuldade de acesso, mobilidade e transporte, bem como a baixa escolarização, despreparo das empresas na recepção das pessoas com deficiência, entre outros inúmeros fatores criam uma frustração tanto nas expectativas dos portadores de deficiência como nas próprias empresas.

Há muito se deveria estar investindo em cursos específicos, alinhados à necessidade dos deficientes, que efetivamente facilitassem o atendimento dessa demanda reprimida.

A inserção de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho é tema que precisa ser revisto no país. A montagem e a aplicação de programas educacionais específicos impõem-se. Inclusão se faz com recursos, não com discursos (oficiais, sobretudo); com verba, não com verbo (principalmente de publicidade oficial).

Números da deficiência no Brasil: 14,5% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência. A maior proporção se encontra no Nordeste (16,8%) e a menor, no Sudeste (13,1%). Dos quase 25 milhões de deficientes no Brasil, a maioria é do sexo feminino (53,79%). A deficiência que mais atinge a população no Brasil é a visual (48,13%, contemplando 11,8 milhões de pessoas). No país, 7 milhões de portadores de necessidades especiais são analfabetos. Estudos revelam que cerca de 80% das deficiências têm causas associadas à pobreza e às baixas condições de vida.

Como dizia o Betinho, é preciso, logo, fazermos por nós, antes que alguém faça contra nós, ou simplesmente faça indevidamente por nós. Conscientes disso, a Lei de Cotas será um valioso instrumento social.