Título: Relator vai propor distribuição mais equitativa dos royalties do petróleo
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2009, Política, p. A8

O relator do projeto de lei que institui o regime de partilha de produção em áreas do pré-sal, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu propor um novo critério de distribuição dos royalties (compensação em dinheiro, paga mensalmente a Estados e municípios pela exploração de petróleo e gás natural em seus territórios). As novas regras constarão do relatório que apresentará quarta-feira na comissão especial responsável pela análise do projeto.

A decisão significa vitória dos Estados não produtores, que pressionam por uma distribuição mais equitativa dos royalties. "Vou encarar esse problema. A tese de adiar essa discussão não seria aprovada nem na comissão nem no plenário. São 23 Estados contra quatro", afirma Alves.

Os relatores das quatro propostas que compõem o marco regulatório do pré-sal - instituição do modelo de partilha, capitalização da Petrobras, criação do Fundo Social (FS) e criação de nova empresa pública (Petro-sal) - entregarão seus pareceres nesta semana. E todos tendem a propor mudanças nos textos originais, enviados ao Congresso em 1º de setembro.

No caso dos royalties, a proposta do governo mantinha a regra atual de pagamento, adotada no modelo de concessão, até que uma lei específica para o regime de partilha fosse aprovada. O relator, que é líder do PMDB na Câmara, havia anunciado a intenção de apenas fixar uma data para a publicação da nova legislação. Seria julho de 2011, a tempo de vigorar no primeiro leilão de bloco do pré-sal, previsto para o segundo semestre daquele ano.

A mudança de ideia não significa contrariar o Palácio do Planalto. A intenção inicial do governo era incluir no marco regulatório enviado ao Congresso um critério de distribuição mais igualitário de royalties de exploração. Mas em jantar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os governadores José Serra (SP), Sérgio Cabral (RJ) e Paulo Hartung (ES), de Estados produtores, pediram que a discussão sobre o tema ocorresse em etapa posterior, para não contaminar a aprovação do novo marco.

De lá para cá, a pressão de bancadas e governadores sobre o relator tem sido grande, para que o projeto da partilha já estabeleça uma regra que beneficie o país todo. "No começo estava tranquilo, mas a comissão tem se manifestado, os Estados também, tanto os produtores como os não produtores, e resolvi me antecipar. Vai ter um novo critério", diz Alves, sem antecipar as regras.

O relator deve ter hoje um encontro com o governador do Rio de Janeiro e, amanhã, com os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Edison Lobão (Minas e Energia) para discutir as mudanças no texto. Ele submeterá aos ministros outra alteração, também alvo de muita pressão, principalmente da indústria petrolífera: possibilitar que a Petrobras ceda a outras empresas a exploração de determinados blocos do pré-sal, dependendo do interesse estratégico.

Pela proposta do governo, a Petrobras é operadora exclusiva dos blocos do pré-sal. A empresa não se opõe à possibilidade de ter esse poder de arbítrio, mas Dilma é contra. Argumenta, segundo aliados, que a Petrobras quer "ficar com o filé e desprezar o osso".

João Maia (PR-RN), relator do projeto da capitalização da Petrobras (que autoriza a União a ceder onerosamente à empresa 5 bilhões de barris do novo óleo), estuda uma forma de permitir às pessoas que compraram ações da Petrobras com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que possam fazê-lo novamente.

O governo não quer mexer no FGTS, mas essa posição é majoritária na comissão, segundo o relator e o presidente, Arnaldo Jardim (PPS-SP), um defensor da ideia. A dúvida é se isso pode ser feito no projeto em análise ou se precisa de lei específica. "Estou analisando a forma, mas a tendência é essa", afirma Maia.

A comissão especial que examina a capitalização da Petrobras também está preocupada, segundo Jardim, com o impacto no mercado financeiro de uma operação de valor tão alto ser feita de uma vez só. "No caso da capitalização da Petrobras, estamos falando da maior emissão de ações da história. Estamos receosos do impacto da operação, feita de uma vez. Estamos analisando sugerir que se faça em duas etapas", diz o presidente.

Os deputados também pretendem, de acordo com Jardim, "aprimorar" os critérios de fixação do valor mínimo do barril do petróleo e propor outra reavaliação desse valor, além da prevista no projeto (dois anos depois).

Antonio Palocci (PT-SP), relator do projeto de lei que cria o Fundo Social (FS) - a ser constituído com recursos do pré-sal (bônus de assinatura, royalties devidos à União, receita da comercialização e resultados de aplicações financeiras sobre suas disponibilidade) -, sofre forte pressão de parlamentares da própria base e movimentos de defesa do setor a incluir a área da saúde entre as beneficiadas.

A palavra final será do governo. Em reuniões fechadas, Lula já admitiu que poderia aceitar a inclusão da saúde. Ele está preocupado com a necessidade de recursos ao setor. O governo não conta com a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), um imposto sobre movimentação financeira destinada a financiar a saúde, nos moldes da extinta CPMF. Nem o PT é favorável.

Pelo projeto do governo, o Fundo Social, de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República, será destinado a projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental.

Por fim, o deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG), relator do projeto que cria a empresa pública encarregada da gestão dos contratos de partilha de produção e de comercialização do petróleo do pré-sal - a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. (Petro-sal) -, revela pontos do projeto que, na sua opinião, podem ser "aperfeiçoados".

Faria tem preocupação com o poder de veto da Petro-sal no comitê operacional - responsável pela administração do consórcio vencedor da licitação para exploração do petróleo. A Petrobras participará de todos. Mas, como esse poder de veto está inserido em outro projeto, o da partilha, Faria estuda a possibilidade de incluir em seu relatório uma "instância superior" para aprovar ou não o veto, em caso de discordância do consórcio.

Outra ideia de Faria é propor que os funcionários da nova empresa cumpram uma quarentena antes de assumir novo trabalho, "para não levarem informações privilegiadas". Também pretende fixar prazo de mandato dos conselheiros da empresa.

Ainda persiste a dúvida sobre o nome da futura empresa. Uma outra, de Mossoró (RN), prestadora de serviços para empresas terceirizadas da Petrobras, está registrada desde 2008 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) com o mesmo nome. O ministro de Minas e Energia tenta negociar com os proprietários da empresa a liberação da marca para o governo. Se não conseguir, Faria já dispõe de sugestões apresentadas por deputados - entre elas, ele cita Petro-sal do Brasil, Petro-mar, Petro-social e Petrobras-sal.

Pelo calendário acertado com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), os relatórios serão votados nas comissões na primeira semana de novembro, a tempo de iniciar a discussão no plenário no dia 10, para cumprir acordo da Câmara com Lula.

Na previsão dos governistas, a votação de cada projeto no plenário vai demorar uma semana. A ideia é estabelecer uma ordem de votação: a proposta que institui o regime da partilha seria votado na primeira semana, o da capitalização na segunda, depois seria a vez do projeto que cria a nova empresa e, por fim, a do Fundo social.

"Ninguém tenha a ilusão que qualquer projeto que chegue ao Congresso vá, do começo ao fim, tal qual chegou. É tarefa do Legislativo discutir e procurar aperfeiçoar", afirma o presidente da comissão que analisa o projeto da partilha, Arlindo Chinaglia (PT-SP), ex-presidente da Câmara. Ele diz que a questão da adoção do regime de partilha - em vez de concessão - na exploração do pré-sal está consolidada, mas, "a partir daí, vamos discutir os caminhos".

O líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), reúne amanhã os deputados petistas que integram as comissões e os coordenadores da bancada. Quer discutir a "metodologia do encaminhamento" da legenda nas votações e o conteúdo das propostas. "O objetivo é preparar o partido para a guerra", diz. Segundo o líder, nas votações o PT vai encaminhar a posição do partido em relação aos projetos e, para isso, precisa saber quais alterações são admitidas pelo Palácio do Planalto. "A Câmara não vai aprovar os projetos do jeito que estão, mas não vai haver desfiguração das propostas", afirma.