Título: Não darei as costas ao país, diz Uribe sobre 3º mandato
Autor: Barber , Lionel
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2009, Internacional, p. A10

Álvaro Uribe se curva se desculpa por ter deixado seus visitantes esperando por quatro horas. "Se vocês tivessem visto minha agenda desde as 6h30 da manhã, vocês me desculpariam", diz o presidente da Colômbia.

Uribe, um homem grisalho e ativo de 57 anos que já sobreviveu a 19 tentativas de assassinato, acabou de sair de uma reunião de emergência com sua equipe econômica.

A Venezuela - vizinha que tanto causa preocupação - aumentou as restrições às importações de alimentos da Colômbia. Além disso, a valorização do peso está dando dores de cabeça nos exportadores.

"Todo dia nós temos mais notícias ruins vindas da Venezuela", diz Uribe, cujas políticas de livre mercado e posições pró-EUA o tornaram um alvo do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Recentemente, Chávez ajudou a atiçar as críticas na região em relação à decisão de Uribe de abrir as portas de bases colombianas a tropas dos EUA para operações antinarcotráfico.

A Colômbia, assim como o Brasil, absorveu os reflexos da crise internacional de modo melhor do que a maioria dos países e prevê um crescimento de sua economia de 2,5% no próximo ano. Perguntado sobre os motivos desse relativo sucesso, Uribe diz que a chave é a confiança. "Até certo ponto, nós estávamos preparados."

Nos últimos sete anos, Álvaro Uribe Vélez trabalhou sob um permanente ambiente de crise: combatendo narcotraficantes, guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, a mais antiga guerrilha de esquerda em atividade na região) e paramilitares de direita - e além de tudo isso, tendo de responder a escândalos no governo.

Quando Uribe assumiu em 2002, a capital Bogotá, estava virtualmente cercada pelos guerrilheiros das Farc; sequestros eram uma rotina e viagens pelo país só eram possíveis se feitas com comboios armados.

Hoje Uribe pode falar de uma significativa reviravolta. O número de sequestros caiu 88%, as Farc estão buscando se esconder na Venezuela ou assistem a alguns de seus guerrilheiros se entregarem.

A melhora na segurança levou a um aumento dos investimentos, a uma inflação menor e uma aceleração no crescimento da economia. Uribe reforça seus argumentos sobre a recuperação colombiana com números e estatísticas. Ele fala sem parar e só hesita quando perguntado sobre o tamanho da dívida externa do setor privado (de US$ 18 bilhões) - herdado por quando eleito.

O presidente insiste que o "espírito empresarial" é o melhor caminho para dar ânimo à economia e reduzir a pobreza - que ainda marca o país que há meio século vive em guerra consigo mesmo.

"Há outros países na região que gostam da iniciativa provada", diz ele. "Mas eles não ousam defendê-la publicamente".

Para muitos colombianos, o sucesso nos fronts econômico e de segurança fazem do presidente um redentor do país.

Mas agora ele está diante do que descreve como "uma encruzilhada da alma" enquanto avalia se concorre a um terceiro mandato em 2010. Isso envolveria uma segunda mudança da Constituição, o que preocupa até mesmo alguns de seus mais próximos aliados no país e no exterior, incluindo seus amigos em Washington.

Se decidir concorrer, Uribe - dono de níveis altíssimos de aprovação - certamente será reeleito para um terceiro mandato. Mas corre o risco de se transformar em apenas mais um caudilho latino-americano, com um histórico questionável na área dos direitos humanos.

Numa visita recente à Casa Branca, o presidente americano, Barack Obama, gentilmente o lembrou que George Washington aceitou de bom grado sua aposentadoria depois de ter concluído dois mandatos - abrindo um importante precedente para a jovem república americana.

Quando perguntado por que ele poderia querer continuar na Presidência se isso poria em risco seu legado, Uribe se levanta bruscamente da cadeira: "Essa não é a pergunta", diz ele, andando pela sala. "Eu sou de uma geração que não conheceu um único dia de paz. Minha prioridade é a continuidade dinâmica das [minhas] políticas."

Então o presidente tem um plano de sucessão? Uribe se inclina sobre a mesa de mogno. "É claro ... eu quero encontrar a réplica de Thomas Jefferson."

E continua: "Quando eu penso no meu legado, eu não quero que as futuras gerações de colombianos pensem que eu tinha apego ao poder. Ao mesmo tempo, quero que eles saibam que eu não dei as costas para os desafios do meu país."

Apesar da diminuição do poderia das Farc, a Colômbia ainda enfrenta sérias ameaças à segurança, incluindo o surgimento de novas gangues criminosas associadas ao tráfico de drogas.

O governo Uribe também já foi posto sob pressão por uma investigação sobre parlamentares acusados de manter vínculos com os paramilitares de direita. Somado a isso, uma onda ilegal de grampos acabou forçando o presidente a dissolver o serviço de inteligência colombiano.

O governo é alvo ainda de outro escândalo. A acusação de que militares assassinaram civis para aumentar o número de supostos guerrilheiros abatidos pelas forças do Estado.

"Este país não é um paraíso", diz Uribe, enquanto acompanha seus visitantes até a porta de seu gabinete. São quase 22h e o presidente colombiano - que desperta às 4h30 - ainda tem muito trabalho a fazer.