Título: Projeto de repatriação avança, mas sanção não é garantida
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2009, Opinião, p. A12
Tramitam no Congresso dois projetos que concedem anistia e benefício fiscal a brasileiros que enviaram dinheiro ilegalmente para o exterior e querem, agora, repatriar esses bens. Ambos são patrocinados por parlamentares do PT : o do deputado José Mentor (PT-SP) foi aprovado no dia 23 de setembro na Comissão de Finanças e Tributação por 16 a 4; e o do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) está na Comissão de Assuntos Econômicos para ser votado em breve em caráter terminativo.
Os dois receberam sinal verde do Executivo para serem votados, apesar de sua natureza polêmica tanto econômica quanto moral. Se aprovada na Câmara, a proposta de Mentor segue para o Senado onde pode ser consolidada com a de Delcídio. O PT incluiu a proposta de Mentor na pauta de votações deste ano da Câmara. O projeto consta da lista apresentada pelo líder do partido, Cândido Vaccarezza (SP), ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), na semana passada e Vaccarezza acha possível que ele seja votado até 10 de novembro. Um senso de urgência tomou conta do governo, que orientou a base aliada a acelerar a tramitação dos projetos. O de Mentor estava parado há 4 anos. O de Delcídio Amaral foi apresentado no ano passado.
As estimativas indicam que há no exterior algo entre US$ 70 bilhões a US$ 150 bilhões remetidos por brasileiros de forma ilegal.
Os ilícitos fiscais são, em geral, associados à outras práticas delituosas como contrabando, extorsão mediante sequestro, narcotráfico, corrupção. É extremamente difícil separar o que é resultado de ilícitos fiscais e financeiros do que é produto de outros crimes.
Pela legislação vigente, já é possível repatriar capitais desde que o detentor do dinheiro pague os impostos devidos. O contribuinte paga uma multa de 20% que, se quitada à vista cai para 10%, e o crime contra a ordem tributária automaticamente se extingue. É a figura do "arrependimento eficaz".
A ideia da repatriação não é nova. Tão logo assumiu o governo, Lula recebeu trabalho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que indicava haver no exterior cerca de US$ 80 bilhões pertencentes a brasileiros e sugeria incentivos à repatriação. Na ocasião, diante da escassez de dólares no país, o governo avançou na análise da medida. Em 2005, quase propôs projeto ao Congresso, mas a ideia foi abortada pela crise do "mensalão".
"O dinheiro já existe, só vai mudar o país em que está depositado. Vai gerar riqueza aqui, em vez de gerar riqueza em outro lugar. É importante num momento em que estamos saindo da crise", alegou Mentor, na defesa do seu projeto, aprovado na Comissão de Finanças com os votos de parlamentares do PT, PR, PMDB, PC do B, PP e PMN, todos da base. Contra, votaram somente dois deputados do PSDB, um do DEM e um do PSOL.
"Há um problema ético, de beneficiar fraudadores, e vários problemas práticos", comentou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), após a votação, em setembro.
Em nenhum momento a questão cambial representou empecilho ao debate e aprovação do projeto na Câmara. A apreciação do real frente ao dólar tende a se acentuar com o ingresso de recursos estrangeiros no país que, só nestes meses finais do ano pode chegar a US$ 25 bilhões. A taxa de câmbio já rompeu a marca de R$ 1,70 e uma eventual enxurrada adicional de dólares seria ainda mais danoso para os exportadores brasileiros. Portanto, do ponto de vista macroeconômico, a repatriação é uma medida totalmente inoportuna
"O dólar já esteve em R$ 1,40 e, também, em R$ 4", alega Mentor . "Estamos comprando dólar e vamos continuar comprando para estabilizar a taxa de câmbio", diz.
São muitas e sérias as críticas já feitas às propostas em tramitação hoje: elas anistiam "bandidos"; têm como verdadeiro objetivo o financiamento de campanhas eleitorais em 2010; consideram "idiota" o bom contribuinte, que paga 27,5% de Imposto de Renda pelos recursos mantidos no país, enquanto quem praticou o crime de evasão de divisas ou evasão fiscal receberia o benefício de pagar apenas 10% de IR para trazer de volta esses recursos.
Se o país não enfrenta escassez de dólares, ao contrário; e se há tantos "senões" éticos, será difícil o governo sancionar e defender essa medida, se ela for aprovada no Congresso.