Título: Uso ampliado do diesel gera polêmica
Autor: Ramon , Jander
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2009, Especial, p. F5

O debate envolvendo a liberação do diesel para automóveis no país começa a se intensificar, ganhando novos contornos por conta da exploração do pré-sal. De um lado, governo e Congresso analisam medidas para aprovar a ampliação do consumo do combustível. De outro, entidades ambientalistas criticam a iniciativa. Alegam riscos de aumento de emissão de gases poluentes e consideram que a iniciativa segue na contramão das práticas mundiais, de redução da dependência de combustíveis fósseis.

"O carro movido a diesel é mais eficiente: com a mesma quantidade de combustível, roda três vezes mais do que a gasolina e emite menos gases de efeito estufa por quilômetro rodado", defende o senador Gerson Camata (PMDB-ES), autor de um projeto de lei que autoriza a produção de veículos de passeio movidos a diesel. O projeto tramita há três anos no Senado e chegou, em julho, à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Se aprovado sem recursos contrários dos senadores, segue diretamente para a Câmara, sem votação em plenário, e, caso seja aprovado pelos deputados sem sofrer alterações, vai para sanção presidencial.

Camata afirma que decidiu apresentar o projeto depois de uma viagem internacional, em que alugou um carro movido a diesel e que rodou 25 quilômetros por litro do combustível. "A restrição de venda de automóveis a diesel no Brasil só vale para a classe média. O rico pode comprar uma caminhonete ou um utilitário esportivo, no valor de R$ 150 mil, e rodar com diesel, mas o menos favorecido não tem a opção de comprar um carro 1.0 com disponibilidade desse combustível", argumenta o senador. "Quero corrigir essa distorção."

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, admitiu, em audiência realizada pela Comissão de Infraestrutura do Senado, em setembro, que o governo estuda a liberação do diesel para carros de passeio. Ressalvou, porém, que não tem previsão de quando a medida poderá ser implementada, caso o governo a aprove.

A iniciativa é duramente criticada por organizações não-governamentais, que consideram a proposta como um retrocesso do ponto de vista da matriz energética. Segundo estudos do Laboratório de Poluição da USP só na região metropolitana de São Paulo, em cada 110 mortes naturais, de 12 a 14 são consequência do diesel utilizado por ônibus e caminhões.

O coordenador do Programa de pós-graduação em energia da USP e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, pondera que, de fato, os motores a diesel conseguem obter maior eficiência, sobretudo quando comparado aos flex ou movidos a gasolina. "A Petrobras tem promovido investimentos importantes e significativos para melhorar a qualidade do diesel, mas, se houver a aprovação de carros movidos a diesel, haverá consequências ambientais", alerta. "Tudo dependerá da qualidade dos motores e do combustível."

A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) prefere não comentar o tema, segundo sua assessoria de imprensa, por considerá-lo exclusivo de matriz energética e de decisão do governo.

A concentração de enxofre no diesel comercializado nas regiões metropolitanas do país está em 500 ppm (partes por milhão). Em áreas rurais, o enxofre presente no diesel pode atingir 1.800 ppm. Nas cidades de Belém, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba o combustível é oferecido com 50 ppm.

O diesel respondeu por 17,7% do consumo final energético brasileiro em 2008 e, no setor de transportes, por 50,3% dos combustíveis utilizados, segundo os resultados preliminares do Balanço Energético Nacional de 2009, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Isso equivale a 37,52 milhões de metros cúbicos de diesel consumidos, um crescimento de 7,7% ante 2007. A produção, segundo o mesmo documento, foi de 40,80 milhões de metros cúbicos, 4,2% superior a 2007.

A proibição da venda de carros movidos a diesel no mercado brasileiro data de 1978, por conta do choque do petróleo. Historicamente, o combustível contou com subsídios fiscais, cobrados sobre gasolina e álcool, para justificar um custo menor e, assim, reduzir os impactos sobre tarifas de transporte coletivo e de cargas. Depois da Lei do Petróleo, de 1997, os preços passaram a ser alinhados aos mercados internacionais e, em tese, os subsídios ao diesel deixaram de existir, embora na prática o combustível desfrute de alíquotas menores de ICMS e de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

Segundo Sauer, se o projeto for aprovado, a disputa de mercado do diesel será travada com o etanol e não com a gasolina. "Enquanto o preço do barril de petróleo estiver entre US$ 50 e US$ 60, o etanol vai predominar sobre a gasolina, mas o diesel será muito competitivo. Um estudo da USP revela que, dentro de cinco a seis anos, 80% da frota no país vai usar etanol. "Com uma nova frota e mantidos os patamares de preço do petróleo, há abertura para o diesel."