Título: Fase de redefinições
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2009, Investimentos, p. F1

Renovar com urgência as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, que, em boa parte, vencem até 2015, e tornar a matriz energética cada vez mais limpa são exigências básicas para garantir a segurança do abastecimento à população, avaliam consultores especializados, parlamentares e empresários brasileiros. "A demora na revisão dos contratos de concessão de energia elétrica que vencem daqui a pouco mais de cinco anos pode ter um impacto muito grande nos preços da energia que vai chegar ao mercado", resume Márcio Sant´Anna, sócio-diretor da Ecom Energia, agente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que atua na venda de energia proveniente de fontes incentivadas a clientes livres, destacando-se as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e biomassa.

A preocupação não é descabida. Afinal, as concessões que estão por vencer nos próximos anos representam 20% do parque gerador do país, 82% do sistema de transmissão do sistema interligado e 30% dos acordos de distribuição. Entre os empreendimentos afetados estão a hidrelétrica de Xingó e as usinas do complexo de Paulo Afonso, no rio São Francisco, Furnas, em Minas Gerais, e a Hidrelétrica de Ilha Solteira, explorada pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp).

A indefinição do governo em relação ao tema, segundo parlamentares e entidades do setor privado, cria um clima de incertezas no mercado, inibindo investimentos e dificultando o planejamento estratégico.

"Os investimentos das empresas concessionárias não podem ficar paralisados", diz o deputado Bernardo Ariston (PMDB-RJ), presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Segundo ele, são necessárias regras que garantam segurança jurídica, de modo que as empresas tenham confiança de que os recursos investidos serão recuperados de forma apropriada. "Normas que propiciem a captação de recursos no mercado financeiro são requeridas, dado o caráter de capital intensivo das atividades do setor e a proximidade dos prazos fatais, que dificultam a obtenção de financiamentos em condições favoráveis", ressalta.

Para Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e do Grupo Alusa, essa incerteza em relação à renovação tem profundo impacto sobre o futuro do setor elétrico. De acordo com ele, a discussão é de grande complexidade. São contratos de todos os tipos, novos e velhos e com realidades completamente diferentes, abrangendo diversos segmentos, como distribuição, geração e transmissão. "As empresas precisam vender energia, projetar o amanhã e, para isso, precisam de regras claras e estáveis. A incerteza prejudica e muito", afirma. Para Ricardo Lima, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e dos Consumidores Livres (Abrace), o mercado livre está em risco pela falta de condições de expansão e devido a esse quadro de indecisão. "Somos favoráveis à prorrogação do prazo das concessões condicionada à definição imediata das regras e procedimentos para os futuros leilões referentes às concessões a vencer", diz Lima.

Na avaliação do governo, no entanto, a situação está sob controle. Em relação à questão do vencimento das concessões do setor elétrico, o Ministério de Minas e Energia (MME) já tem um relatório preliminar sobre as alternativas apresentadas - relicitação ou prorrogação - que apontaria para a solução por prorrogação condicionada das licenças existentes.

O governo também avalia que, quanto ao cenário energético nacional, de acordo com dados preliminares do Balanço Energético Nacional, a oferta interna de energia no Brasil em 2008 cresceu 5,6%, atingindo 252,2 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep). Segundo Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao MME, responsável pelo estudo, trata-se de um crescimento similar ao do PIB. O consumo de eletricidade cresceu 4%.

Para atender à expansão dos investimentos em infraestrutura e do mercado consumidor nacional, indica Tolmasquim, a indústria energética vai precisar, até 2017, de investimentos totais de R$ 767 bilhões. Desse total, mais de dois terços serão aplicados no setor de petróleo e gás natural, que deve absorver R$ 536 bilhões. O setor elétrico, que engloba geração e transmissão de energia elétrica, vai contabilizar investimentos de cerca de R$ 181 bilhões até 2017, ou 23,6% do total. Já os recursos necessários para o aumento da oferta de biocombustíveis líquidos, destinados à produção e transporte de etanol e biodiesel, segundo previsão do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2008-2017), somam R$ 50 bilhões (6,5%).

Altino Ventura Filho, secretário de planejamento e desenvolvimento do MME, afirma que as políticas que o país está adotando são plenamente satisfatórias para garantir a expansão do sistema energético nacional. "O mercado nacional de energia elétrica, por conta da crise econômica mundial, deve ter um crescimento nulo ou pequeno em 2009, mas a partir do próximo ano, o crescimento será da mesma ordem dos anos anteriores à crise, com taxas anuais em torno de 5%." Para ele, não há restrições a investimentos para projetos de geração e transmissão de energia. "Pelo contrário, os leilões dos últimos meses demonstram que há disputa muito grande, que leva à redução de custos."

Entre os novos empreendimentos, Ventura Filho cita o início das usinas do complexo do rio Madeira, em Rondônia, licitadas em 2007 e 2008, e do próximo leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, cuja capacidade instalada será de 11.233 MW.

Mas esse entusiasmo não se estende a todos os agentes do setor. Para José de Freitas Mascarenhas, presidente do conselho de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as reservas disponíveis para atender ao crescimento do consumo de energia são realmente confortáveis. O país tem disponibilidade ainda de 180 mil MW de potência, além dos 109 mil MW já utilizados. Na área de biomassa, as previsões são de 14.400 MW médios até 2020. No setor de petróleo e gás, com o pré-sal, as expectativas são grandes, podendo-se chegar a um patamar entre 50 bilhões e 100 bilhões de barris. "Mas há problemas a administrar", adverte Mascarenhas. Segundo ele, os custos de transmissão da energia elétrica, por exemplo, são altos, uma vez que os novos aproveitamentos na Amazônia estão distantes das áreas de consumo do Sul-Sudeste.

Na verdade, a indefinição da política energética como um todo é uma das inquietações do setor. "O Brasil precisa de políticas públicas em que o governo mostre que vai continuar preocupado em que a matriz não caminhe na direção de combustíveis fósseis, e siga com forte presença de fontes renováveis", defende Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).

O Brasil e o mundo, observa ele, vão precisar cada vez mais de energia que gere menos CO2. "Para conseguir isso, é preciso continuar incentivando energia renovável. O Brasil já tem o etanol, que é o maior programa de biocombustíveis do mundo, que não pode ser preterido agora em função do pré-sal", afirma o consultor.