Título: Capital externo deve cobrir déficit maior em conta corrente
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2009, Brasil, p. A3

O crescimento maior do PIB esperado para o próximo ano combinado com elevação dos investimentos estrangeiros e aceleração das importações deve ampliar o déficit em transações correntes do Brasil. Neste ano, segundo projeções do Banco Central, o saldo em conta corrente deve ser negativo em US$ 18 bilhões, o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), mas, para 2010, as projeções dos analistas convergem para uma taxa maior, da ordem de 2% do PIB. A elevação do déficit, no entanto, não preocupa.

Para os analistas, a entrada de capital estrangeiro compensará com folga o déficit em conta corrente. "Se pegarmos apenas a entrada de investimento direto, não é irrealista supor que o déficit será facilmente financiado", afirma Maurício Molan, economista do Santander. O banco prevê que os aportes de Investimento Estrangeiro Direto (IED) alcançarão US$ 25 bilhões neste ano, US$ 7 bilhões a mais que os US$ 18 bilhões de déficit em conta corrente esperados pelo BC.

Segundo Molan, a taxa de investimentos estrangeiros, alocados em projetos produtivos, será ainda maior no próximo ano - o BC calcula elevação de 52% do IED em 2010. Ou seja, o capital externo será capaz de cobrir o rombo nas transações correntes, mesmo que ele aumente.

"As outras entradas de capital estrangeiro servirão para rolar dívidas que estão vencendo ou para engordar as reservas constituídas pelo BC, que devem continuar crescendo no ano que vem", explica Molan. "Os capitais que entram na conta financeira não terão como contrapartida um aumento da relação dívida/PIB, que deve apenas parar de diminuir", analisa.

Os investimentos financeiros, embora mais voláteis que os produtivos, registraram valores expressivos em julho e agosto. "Isso reflete uma posição privilegiada do Brasil no cenário externo, demonstrando que o país crescerá a taxas mais elevadas que a média mundial", afirma Fernanda Feil, analista da Rosenberg & Associados. A entrada de dólares na conta de capital e financeira foi, apenas em agosto, de US$ 8,3 bilhões, sendo US$ 6,1 bilhões em ações e títulos públicos.

Para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, o diferencial entre as taxas de juros internacionais e a taxa básica brasileira ainda é importante para atrair dólares. "Enquanto for um diferencial absurdo, a Selic continuará relevante para o aplicador estrangeiro ", diz.

"O diferencial de juros ainda é grande, mas a Selic não tem mais aquele papel fundamental que tinha até dois anos atrás ", analisa Fernanda. Para ela, mesmo os gastos anticíclicos promovidos pelo Estado para atenuar os efeitos da crise mundial estão sendo bem percebidos pelo mercado.

"A balança comercial deve registrar resultado robusto neste ano, semelhante ao verificado no ano passado, o que, diante das circunstâncias excepcionais, é um ótimo resultado", afirma a economista. A comparação com 2008, no entanto, deixa transparecer queda na corrente de comércio produzida pelas turbulências mundiais.

Segundo dados do Santander, as importações mundiais caíram cerca de 35% no primeiro trimestre de 2009 sobre a média de 2008. Houve recuperação de 15% nos últimos seis meses, período em que o Brasil oscilou conforme a média mundial. As exportações tiveram queda semelhante, no Brasil e no mundo, nos primeiros meses de 2009, mas, enquanto a média mundial se recupera lentamente, o Brasil acelerou suas vendas ao exterior - 38% entre abril e agosto.

Na China, as importações aumentaram 48% após o tombo promovido pela crise. O Brasil se beneficiou desse movimento chinês, exportando mais para aquele mercado. As exportações brasileiras, no entanto, ficaram mais concentradas em commodities, canalizadas pela demanda chinesa.

"É natural que assim seja. A China é o país que mais cresce no mundo e, assim, aumenta as importações de produtos brasileiros. Como os chineses demandam muito bens primários, é evidente que nossas exportações fiquem mais concentradas em commodities", explica o economista Marcio Garcia, professor da PUC-Rio.

O PIB deve crescer a taxas elevadas no próximo ano, sustentado pela crescente demanda interna que, por sua vez, aumentará o volume de importações e despesas como aluguel de máquinas, viagens internacionais e remessas de lucros de companhias multinacionais. Logo, a ampliação do déficit externo será consequência da retomada do crescimento. Por isso, para boa parte dos analistas, a elevação do déficit não assusta.

"A tendência é aumentar as importações, não tem como escapar. O aumento está dado. Se o PIB cresce 5%, as importações vão crescer pelo menos três vezes esse valor", afirma Gonçalves, do Fator. O economista prevê um aumento da dívida privada em dólar, com elevação dos empréstimos internacionais e da participação acionária de estrangeiros em companhias nacionais. "O setor privado vai ficar mais exposto, mas o governo continua ampliando o acúmulo de reservas, então não há problema de pagamentos."

Para Garcia, não há problema para o financiamento do déficit em conta corrente, embora fosse mais recomendável recorrer aos investimentos nacionais. "Se pudéssemos crescer com poupança interna seria melhor, mas aparentemente nós não gostamos de poupar e o governo não está ajudando. Sem dúvida que é preferível crescer com poupança interna, mas se não podemos e a opção é não crescer, é mais lógico ficar com a poupança externa", afirma.

O aumento de investimentos estrangeiros deve compensar a ausência de uma taxa maior de investimento público, avalia o economista. "Com todos esses projetos que se prenunciam, como o pré-sal, e uma taxa pequena de investimento público, é natural que a poupança externa aumente sua participação. O déficit de 2% do PIB na conta corrente deve ser ainda maior para poder sustentar a demanda de projetos", diz Garcia.