Título: O que dá mais receita ao Estado, concessão ou partilha? :: Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello
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Fonte: Valor Econômico, 29/09/2009, Opinião, p. A14

A teoria de leilões e desenho de mecanismos ajuda a avaliar qual o melhor sistema de exploração do pré-sal em termos da receita esperada pelo Estado, a concessão ou a partilha

Até o momento, a discussão sobre o modelo proposto para a exploração da camada pré-sal se deu, quase sem exceções, à margem dos avanços feitos nas últimas décadas pela Teoria Econômica. Este artigo compara, usando a teoria de leilões e desenho de mecanismos, os sistemas de concessão e partilha quanto à receita esperada para o Estado.

Concessão e partilha têm implicações distintas para a divisão a renda gerada. Na concessão, a empresa operadora paga de antemão um montante fixo (bônus) ao Estado e, por ser o único acionista, apropria-se de toda a receita gerada a posteriori. Na partilha, a renda gerada é dividida entre a empresa vencedora (num leilão no qual o lance é uma porcentagem da renda gerada) e o Estado, que detém direitos parciais de acionista. A agenda é desfazer mitos.

Mito I. Na partilha, o governo recebe a renda no futuro, e fica sujeito tanto ao risco de exploração como ao de variações no preço do petróleo. Logo, a concessão seria "melhor" porque o governo "se livra" do risco. Um colunista escreve: O Brasil tinha um modelo seguro. Para terem o direito de perfurar o solo, as companhias de petróleo eram obrigadas a pagar antecipadamente, arrendando lotes. O risco era só delas. E o poder público sempre saía ganhando. Nos últimos tempos, o barril de petróleo chegou a US$ 150 e, em seguida, caiu a US$ 30. O que Lula está fazendo é apostar metade do PIB brasileiro nesse negócio, como um especulador no mercado futuro de petróleo. (Mainardi, "Veja", 20/09). Tal raciocínio é ingênuo. Se o colunista notou o risco da empreitada, também o perceberão as empresas petrolíferas que, no sistema de concessão, diminuirão os lances. O governo não "se livra" do risco no modelo de concessão: ele se manifesta na forma de lances menores.

Mito II. O governo argumenta que o risco exploratório diminuiu e, portanto, é melhor ficar com uma porcentagem da receita. Este argumento é incorreto. A diminuição do risco sugere que as empresas deveriam ter mais, e não menos, porcentagem na receita. Há um "trade-off" entre risco e incentivo. Por um lado, na ausência de problemas de incentivo, maior fração do risco deve ser alocada para a parte relativamente mais capaz de absorvê-lo (alocação ótima de risco). O governo está mais apto do que as empresas a absorver os riscos específicos à exploração de petróleo porque ele tem receitas de outras atividades (e.g., tributação) e bom acesso a mercados de crédito e de seguro. Portanto, maior parte do risco deveria ser alocado ao governo. Por outro lado, as partes interessadas só terão incentivos a tomar decisões corretas se os pagamentos que recebem forem variáveis. De fato, imagine que o governo compense a empresa exploradora com um pagamento fixo, sem nenhuma participação no lucro. É evidente que ela não terá incentivos a se esforçar para achar petróleo. Para induzir esforço, ela deve participar do lucro (ou receita), mas isso implica que ela fique com algum risco. Num desenho ótimo, a importância relativa desses efeitos determina a divisão de risco. Se o risco exploratório diminuiu, o peso dado à divisão ótima de risco cai e a importância relativa da provisão de incentivos aumenta. Logo, a participação da empresa no resultado deve aumentar, o que aponta para um sistema mais parecido com concessão.

Mito III. Alguns analistas argumentam que não há diferenças entre concessão e partilha: não importa a forma pela qual a divisão é feita, mas sim o montante esperado oferecido pela empresa vencedora. Esse raciocínio, aparentemente persuasivo, está incompleto porque a agressividade dos participantes de um leilão depende da forma pela qual se divide a renda. Resultados teóricos recentes mostram que leilões que usam securities (instrumentos financeiros) no-dinheiro geram maior receita esperada para o leiloeiro ("Bidding with Securities", DeMarzo et al, American Economic Review, Vol 95, 2005.). Em tempo, "securities" no-dinheiro são aquelas cujo pagamento é mais sensível à realização da receita. Por exemplo, o bônus é um pagamento fixo, que não varia com a receita que sai do bloco. Se o pagamento é uma porcentagem da receita, por construção ele depende da receita que sairá do bloco. Por isso, ela é mais no-dinheiro. Como consequência, um leilão cujos lances são ações (partilha) gera maior receita esperada do que leilões de bônus (concessão).

Um exemplo ajuda a entender o mecanismo. Tomemos leilões abertos ascendentes (inglês) em que o vencedor é a pessoa cuja valoração é maior. Ele ganha o leilão ao dar um lance pouco maior do que a segunda maior valoração, pois esse é o maior lance possível de todos os demais participantes. Suponha que haja duas empresas no leilão. A empresa A retira 4 de receita do bloco; a empresa B retira 3. O custo de exploração é 1. Na concessão, a empresa A ganha e paga o valor da firma B (2 = 3 - 1). A renda do governo é 2. Agora, suponha que as empresas façam lances na forma de porcentagem da receita (partilha). A empresa com maior valoração (A) ainda vence e com o lance igual à valoração de B, que é agora ? (? x 3 = 2 ). A renda do governo é 2,67 = ? x 4 (receita de A), portanto maior que na concessão (2). Ações atrelam o pagamento à receita da empresa, aumentando a renda do leiloeiro. Quanto mais no-dinheiro, maior a ligação entre pagamento e receita da empresa. Opções de compra são mais no-dinheiro do que ações porque se a receita do bloco for acima de um "strike price", o governo fica com toda a receita, e não apenas com uma porcentagem. Por isso, a melhor forma de leiloar seria dar lances no "strike price" (o menor "strike price" vence).

O raciocínio acima toma como dada a distribuição de probabilidades sobre receita futura. Se as decisões da empresa alteram essa distribuição (e.g., afetam custos), então é interessante que a empresa mantenha parte da receita (opções de compra excluem isso). Logo, leilão de ações é um bom meio termo.

Em suma, o regime de partilha parece justificável do ponto de vista econômico porque pode aumentar a receita para o Estado. Mas por razões um tanto distintas das que vêm sendo enfatizadas pelo governo. Um ponto sutil é que se deve partilhar a receita, e não o lucro, do bloco. A razão é simples. O desenho ótimo deve induzir incentivos para a economia de custos da exploração. A partilha de lucros faz com que a empresa não se aproprie de todo o benefício de uma redução de custos porque parte dela é apropriada pelo governo, diminuindo seus incentivos à redução de custos.

Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs pela Universidade Stanford e professores do Departamento de Economia da PUC-Rio.