Título: Egressos da agricultura familiar do Sul vingam na soja
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2009, Especial, p. A16

Aqui nesta região existe uma gente humilde, muito pobre e ordeira. Nunca nos causaram qualquer problema. O que falta é o governo ensiná-los a ser agricultores. Eles não sabem usar a terra. Só fazem queimadas". Escudo do Grêmio de um lado, chimarrão do outro e o computador com internet via satélite no centro da mesa de seu escritório, o agricultor Osmar Conrad não se surpreende com a notícia de que planta soja perto das comunidades que ostentam uma das maiores taxas de pobreza do país.

Conrad passou a virada do ano de 1990 para 1991 com sua noiva em um atoleiro, a caminho da agrovila Panambi, fundada por 31 agricultores da Cooperativa Tritícola Panambi (Cootripal), do Rio Grande do Sul. Inicialmente iriam cuidar de uma área de 100 mil hectares, em terras concedidas para os sulistas ainda pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (Idago), antes da divisão do Estado. Hoje a cooperativa se dissolveu e Conrad é um dos 15 sojicultores que cultivam 27 mil hectares em Mateiros. Conseguem 3 mil sacas de soja por hectare.

"Cresci na agricultura familiar, plantando milho e feijão, com arado. Estas terras aqui representaram o meu salto", comenta, no galpão ao lado de sua ampla casa. Isolada pelos atoleiros do Jalapão, a agrovila do Panambi é um ponto encrustrado exatamente na divisa entre os Estados do Tocantins e da Bahia. As plantações estão no Tocantins, as casas dos 500 moradores dividem-se entre Mateiros (TO) e o município de Formosa do Rio Preto (BA). A casa de Conrad está do lado baiano. Assim como o posto de saúde e a escola estadual. Conrad tem um telefone fixo com DDD de Tocantins e um celular com DDD da Bahia. Apesar da situação limítrofe, o governo tocantinense e a própria Prefeitura de Mateiros não hesitaram em instalar serviços em território formalmente baiano. "O Estado de Tocantins nos abraçou", diz Conrad.

O governo do Estado de Tocantins paga o salário dos professores da escola, que foram contratados pelos sojicultores. Os dois filhos de Osmar Conrad fizeram todo o ensino fundamental na própria agrovila. "Agora, para fazer o ensino médio, estão morando em Luís Eduardo Magalhães (BA)", diz. E a prefeitura arca com o posto de saúde, algo distante da realidade das comunidades de remanescentes de quilombolas. A água não é um problema para os moradores da agrovila. Cada casa faz a sua captação de poços artesianos. O esgoto vai para a fossa séptica, com laje de cimento.

A colonização de soja na região de Mateiros é antiga e o contato dos sojicultores com a cidade é mínimo. Eventualmente os produtores passam pelo cartório da cidade para registrar a propriedade. Essa foi a razão que levou Conrad a, uma única vez, visitar Mateiros. "No núcleo urbano e no distrito, ninguém tem título. Os únicos com escritura são os que plantam soja. E nenhum deles é do Tocantins", comenta o escrivão, João Antônio. O escoamento da produção é feito por Dianópolis (TO), no sudeste do Estado, ou pelo oeste baiano, ligadas à agrovila por estradas em estado tão ruim quanto a que a liga a Mateiros.

Eleitor em Mateiros, Conrad recebe na época eleitoral a visita de candidatos tanto da cidade tocantinense quanto da baiana. Pedem votos e apoio financeiro. E encaminha pedidos para as administrações tanto de Palmas quanto de Salvador. "Na Bahia nunca conseguimos nada", queixa-se Conrad. Na última eleição, os sojicultores do Panambi conseguiram emplacar a eleição de um vereador, José Ferreira, natural da Bahia, mas atuante no Legislativo mateirense. Sem nenhuma necessidade social premente, Conrad é generoso ao avaliar o governo federal. "Do segundo mandato de Lula para cá, a coisa melhorou muito. Há muito mais crédito disponível para o agricultor", avalia. (CF)